sábado, 30 de setembro de 2023

O ordinário e o extraordinário

 Somos cercados e acompanhados por situações banais, simples, cotidianas. E de tão simples e ordinárias que não damos a menor atenção a elas. São coisas e detalhes percebidos apenas quando nos perturbam, quando se tornam obstáculos na lida diária, nas atividades programadas, no horário apertado, no afazeres do dia a dia, no movimento que segue etapas previstas. 

O imprevisto atrapalha, pois precisamos de segurança, gostaríamos, inclusive, de poder prever acontecimentos, como não podemos, nos angustiamos. E, mesmo assim, prosseguimos.

Parar e observar, fazer parte de algo comum, ordinário, e ali se deter por algum momento, e deixar que o tempo, que a presença dele faça com que nos voltemos para o comum, para o banal. "Como eu não havia visto isso antes?" O espanto, a surpresa, a admiração quando o olhar se detém naquela paisagem, naquele rosto, naquele gesto.

São os meios simples e ordinários que nos levam ao extraordinário. O rio flui, leva, a correnteza esconde o leito, a profundidade é apenas adivinhada. Acompanhamos a superfície, o extraordinário é entender o caminho dele, a fluidez, e levar a metáfora da passagem do rio para o movimento de todos os seres. "Tudo flui, aos que entram nos mesmos rios, outras e outras águas afluem" (Heráclito).

A semente, a terra, o broto, a árvore, o fruto, o ordinário que se transforma em extraordinário, eis que no fruto há de novo semente. Essas reflexões se perdem no ato de comprar, no ato de comer. Seria preciso recuperá-las no ato de usufruir.

A natureza, tão simples, vira coisa a ser medida, disputada, esmiuçada do alto, alvo de políticas conservacionistas, de protesto de ambientalistas, esgarçada e explorada. 

Para o filósofo, que busca pensamentos que estão em paz (Wittgenstein), basta abrigar o inusitado, o extraordinário que é isso ser assim nos momentos absolutamente banais, nos quais há ser, e junto aos seres o sentimento, a sensação de enxergar o extraordinário no ordinário, poder ver e existir nestes momentos, próprios, únicos. 

A arte com seus múltiplos meios e facetas realiza isso, transforma o ordinário em extraordinário. A paisagem banal se reconfigura por meio da imagem capturada. 

Foto Gaio, Lapa- Paraná


sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Janja na Times Square, uma consideração metafísica.

 A viagem de Lula aos EUA ainda repercute, os encontros, as falas vazias que não têm nenhum compromisso com a verdade. Mas é sua esposa quem ofusca tudo isso, e brilha de outro modo, com danças, sorrisos, e zero de discrição. Lembram da Dona Ruth, esposa de Fernando Henrique? O oposto!

Mas vamos lá, consideração metafísica?

Quando os recursos ideológicos e políticos tornam as atitudes de Janja polêmicas, e para muitos fiéis petistas são atitudes incompreensíveis, resta uma análise metafísica.

Heidegger afirma que nossas experiências metafísicas, quer dizer, a respeito de fundamentos para simplesmente existirem seres, o Ser em geral, nunca alcançam o fundo, o fundamento. Nossas experiências metafísicas são abissais. Sem causa última, sem porto seguro e definitivo.

Isso nos leva a pensar, de onde vem, então, nossa segurança, nosso desejo de solo firme, de definição?

Isso se deve ao caráter das nossas vivências, todas elas particulares, idiossincráticas, próprias de cada um.

Nunca estamos seguros quanto a não precisar interromper nossas experiências, elas mudam e nos transformam o tempo todo, só a morte as interrompe.

O modo extremamente individual de cada um experimentar o que viveu, toda sorte de acontecimentos, de situações as mais diversas na infância, depois no enfrentamento das dificuldades e obstáculos da vida, são absolutamente pessoais, intransferíveis. Mesmo no caso de questionamentos, "por que você agiu assim?", feita por familiares, amigos, psicólogos, ou simplesmente pela própria pessoa buscando se compreender, é sempre o que se sentiu, como se sentiu, algo do abissal vem à tona, enquanto muito fica no fundo sem fim.

Pode ser a mais miserável, pobre, sofredora, ou a mais rica, bem-sucedida, famosa e influente, como hoje a mídia se refere aos atuais poderosos..., é sempre uma experiência pessoal, absolutamente individual.





O Brasil patrocinado pelo Banco do Brasil é só floresta, dança indígena, cantoria. Algo na experiência atual de Janja ressoa um desejo, não de justiça social, e sim de poder, daquele poder que o fausto e as cerimônias ensejam. Festas sem fim.

domingo, 17 de setembro de 2023

Causalidade e determinismo

 O conceito filosófico de causa se deve aos primeiros filósofos, justamente em sua busca de uma razão para tudo o que há. A noção filosófica de que tem de haver um princípio único que dê origem a todas as coisas se relaciona com a ideia de que tudo se conecta, de que não há acontecimentos independentes, aleatórios, inexplicáveis. Uma corrente causal se estende a todos os seres. 

Esse desejo de unidade e de clareza, de decifração e de explicação se deve à própria natureza da ação humana: o que se faz, o que não se faz, o que se intenciona, o que se pretende evitar, o que alcançar, e isso tanto na menor e mais simples das atitudes, como na mais complexa e plena de consequências. Para caçar, assar e comer a presa, para pescar, para construir uma ponte, para ultrapassar obstáculos, a humanidade precisou usar da causalidade, precisou entender e respeitar fenômenos da natureza, precisou construir abrigos proteger seus filhos, precisou lutar contra inimigos.

Em tudo isso funciona a noção de causa e efeito.

Por detrás do conceito de causalidade vige um pressuposto, o do determinismo. O único filósofo pré-socrático que recusou o determinismo foi Anaximandro. Para ele tudo foi gerado por um princípio indeterminado, ilimitado. Mas, essa causa primeira produziu tudo o que há no cosmos, quer dizer, seres determinados, específicos. 

Seria um mundo incompreensível se houvesse a pura e simples indeterminação.



A Física pressupõe modelos, não há uma única teoria para explicar a constituição atômica da matéria.

Por outro lado, o determinismo radical  pressupõe que se um estado de coisa fosse conhecido e inteiramente decifrado, todo o restante seria previsível. Esse determinismo ignora a necessária abertura para o desconhecido, para o imprevisível, para o inédito. Inclusive significa que a ação humana seria como que guiada por fios tais como os barbantes de um teatro de fantoches.

Por mais que a ciência encontre e comprove causas e leis acerca dos fenômenos naturais, novos e imprevisíveis acontecimentos surgem, provocam nova cadeia causal.

Não conhecemos tudo do passado e nem podemos prever que o futuro será desastroso ou glorioso. O que não quer dizer, mais uma vez, que o indeterminismo prevaleça. Temos suficientes certezas para não sermos engolidos pelo abismo. E que o inevitável um dia acontecerá...


terça-feira, 5 de setembro de 2023

O eterno e o telescópio James Webb

 Nosso tempo é vivido, mensurado, inescapável. Nascemos, vivemos e morreremos, impossível sair dessa condição. Só podemos nos expressar, nos comunicar em certa língua, gestos, sempre no nosso tempo, no nosso cotidiano, nas nossas vivências.

Se nos fosse dada uma linguagem em que pudéssemos falar num tempo eterno, ela não faria sentido algum. Usamos para nos referirmos frases no tempo passado (já era), no tempo presente (aqui e agora) e num tempo futuro (que ainda virá). E isso pressupõe sucessões, mudanças, movimentos que iniciaram e que vão cessar. 

Há eterno no homem? Em que sentido? Em nossa crença em Deus? Em nosso desejo profundo de nos eternizarmos, seja com nossos descendentes, seja com obras de arte, seja com a procura por nossas origens no planeta? Mas, só é possível buscar, descobrir, revelar acerca de certo período num tempo histórico, o da história humana

Até mesmo na ficção científica, com expedições a outros planetas, seres intergalácticos, naves estratosféricas, e tudo o mais que a imaginação e a criatividade são capazes de elaborar, somente são inteligíveis e comunicáveis porque dentro de um quadro de referência a estados temporais e sucessão de fatos, que são narrados, quer dizer, num tempo, que, evidentemente não é eterno.

Um dos mais poderosos instrumentos criados para especular sobre o espaço (e o tempo?) é o telescópio James Webb, resultado de uma sofisticada tecnologia que foi aprimorada por numerosos engenheiros, cuja montagem passou por testes, com risco enorme, mas calculado, de insucesso.

Lançado com êxito, temos imagens do passado de milhões de anos que chegam até o presente. Essas imagens são reelaboradas, são analisadas. Diante delas o mistério é simultaneamente velado e desvelado. São imagens belas, admiráveis e que provocam ainda mais especulações. Até mesmo a de captarem algo inédito e surpreendente. 




Enfim, nem o telescópio revela a eternidade, pois as imagens captadas se mostram, são de algo que está lá. 

A questão é, sempre estiveram? Sempre estarão? Se houvesse uma resposta, teríamos então o eterno? Seria eterno o tempo que sempre volta? O eterno retorno para Nietzsche é uma metáfora para o tempo com seus vários instantes, os "agoras" que sempre voltam, sem estado final, a dureza da vida humana que se repete. Esse seria o eterno que faz sentido...

E faz sentido poeticamente, emocionalmente. "Amor eterno", jura de amor entre apaixonados. "Eterna gratidão" em homenagem aos mortos. Quer dizer, os usos apropriados e compreensíveis de "eterno" estão em nossas vidas. No mais um enigma, resta a nós humanos especular.

PS.: série sobre o telescópio James Webb disponível na Netflix.