Somos cercados e acompanhados por situações banais, simples, cotidianas. E de tão simples e ordinárias que não damos a menor atenção a elas. São coisas e detalhes percebidos apenas quando nos perturbam, quando se tornam obstáculos na lida diária, nas atividades programadas, no horário apertado, no afazeres do dia a dia, no movimento que segue etapas previstas.
O imprevisto atrapalha, pois precisamos de segurança, gostaríamos, inclusive, de poder prever acontecimentos, como não podemos, nos angustiamos. E, mesmo assim, prosseguimos.
Parar e observar, fazer parte de algo comum, ordinário, e ali se deter por algum momento, e deixar que o tempo, que a presença dele faça com que nos voltemos para o comum, para o banal. "Como eu não havia visto isso antes?" O espanto, a surpresa, a admiração quando o olhar se detém naquela paisagem, naquele rosto, naquele gesto.
São os meios simples e ordinários que nos levam ao extraordinário. O rio flui, leva, a correnteza esconde o leito, a profundidade é apenas adivinhada. Acompanhamos a superfície, o extraordinário é entender o caminho dele, a fluidez, e levar a metáfora da passagem do rio para o movimento de todos os seres. "Tudo flui, aos que entram nos mesmos rios, outras e outras águas afluem" (Heráclito).
A semente, a terra, o broto, a árvore, o fruto, o ordinário que se transforma em extraordinário, eis que no fruto há de novo semente. Essas reflexões se perdem no ato de comprar, no ato de comer. Seria preciso recuperá-las no ato de usufruir.
A natureza, tão simples, vira coisa a ser medida, disputada, esmiuçada do alto, alvo de políticas conservacionistas, de protesto de ambientalistas, esgarçada e explorada.
Para o filósofo, que busca pensamentos que estão em paz (Wittgenstein), basta abrigar o inusitado, o extraordinário que é isso ser assim nos momentos absolutamente banais, nos quais há ser, e junto aos seres o sentimento, a sensação de enxergar o extraordinário no ordinário, poder ver e existir nestes momentos, próprios, únicos.
A arte com seus múltiplos meios e facetas realiza isso, transforma o ordinário em extraordinário. A paisagem banal se reconfigura por meio da imagem capturada.
Foto Gaio, Lapa- Paraná
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