domingo, 15 de outubro de 2023

O neoliberalismo segundo Foucault

O modo de Foucault abordar o neoliberalismo surpreende, difere da maioria das críticas, e sugere um impasse. 

As críticas martelam na mesma tecla, condenação a priori, sem um exame mais sério da história política e econômica do Ocidente desde fins do século 19. A base teórica dessas críticas é o marxismo e sua doutrinação, especialmente em universidades, talvez mais do que por meio de partidos políticos. Para esses setores da sempre vigilante "intelligentsia", os países capitalistas, (China inclusive?) exploram, concentram a riqueza nas mãos dos poderosos, dos bancos e instituições financeiras que operam em seu próprio interesse, e oprimem os países pobres, o terceiro mundo, que se endivida, empobrece, estende as mãos e recebe migalhas. Fora FMI, Wall Street, abaixo o neoliberalismo e o capitalismo opressor "estadunidense".




Pois bem, a análise de Foucault não se baseia em ideologia. E Foucault não é e nunca foi adepto de socialismo ou comunismo (ver postagem neste blog).

A pergunta, como é possível analisar o neoliberalismo fora dos quadros teóricos do marxismo, que pregam socialismo/comunismo? Em aulas no Collège de France, nos cursos sobre governo e governabilidade, Foucault apresenta sob a forma de uma história do pensamento, algo diverso. Não de um ponto de vista político, sociológico e nem como uma teoria econômica que apenas reativa o liberalismo clássico. Diferentemente da crítica de teor marxista, sua análise não parte do pressuposto de que a sociedade de mercado seria uma forma insidiosa de capitalismo. Na leitura de Foucault, o neoliberalismo refere e projeta sobre uma arte de governar os princípios de uma economia de mercado, não pelo “laissez-faire” e sim pela vigilância, por uma atividade de permanente concorrência entre monopólios, o que requer uma política ativa. O governo intervém para regular, mas quem dá as regras é o mercado, no sentido de aumentar a produção e o lucro, de estabilizar os preços. O desemprego fica contornável com atividades mais rentáveis.

A política social equilibra os efeitos da desigualdade, com o surgimento da medicina coletiva e serviços que a melhoria na economia possibilita transferir para esses benefícios sociais. A desigualdade afeta a todos, e a única e verdadeira política social é o crescimento econômico. Não mais o homem da troca, e sim o empreendedor, não é a mercadoria que está em jogo, como pensara Marx e sim uma ética social de empresa, cuja forma se estende à cidade e à família. O sistema jurídico se adapta a esse crescimento e diferenciação das empresas.

O capitalismo tem papel político, as leis de mercado são amparadas e regulamentadas juridicamente com medidas “corretivas e inovações institucionais que permitirão instaurar, enfim, uma ordem social economicamente regrada sobre a economia de mercado" ao aplicar as regras de um Estado de direito, diz Foucault.

Não mais a soberania de um rei, nem Estado coercitivo e policialesco. O pressuposto do neoliberalismo são instituições concretas e públicas, tribunais administrativos que introduzem uma legislação formal no capitalismo. Isso é decisivo para haver crescimento, investimento, ações corretivas. Ao Estado de direito cabe fornecer as regras que garantem o jogo entre as empresas. A justiça se torna presente como mais um serviço público para dirimir conflitos.

Essa é a governabilidade moderna, seus mecanismos são os de mercado, empresariais. Assim, socialismo e com mais razão, comunismo, são regimes ingovernáveis, é que governar exige atualmente  regras institucionais regidas pela economia tal como descrita acima. Daí o impasse, impossível fugir das regras de tipo empresarial. As palavras de ordem da esquerda marxista contra o neoliberalismo, nem de longe o atingem. Falta-lhes visão histórica.

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