sábado, 1 de julho de 2017

"Por que existe o ente e não antes o nada?"

Ainda sobre a Metafísica, faremos rápida incursão na obra de Heidegger "Introdução à Metafísica" (1935), conferência pronunciada na Universidade de Freiburg que problematiza a questão do título. Nela o filósofo aborda a pergunta mais profunda e essencial da Filosofia.
Tentemos decifrá-la, afinal o objetivo deste blog é aplicar no dia a dia certas lições filosóficas.
Tudo o que existe, ou seja, os entes, antes de serem isso ou aquilo, importa a pergunta "por que". Nossa curiosidade, inclusive a de crianças, reside nisso, o acontecimento primeiro, original, saber que mesmo sem os homens na face da terra, o planeta e todo o universo existem, quer dizer, perguntar por que existe o ente não altera o próprio ente.
Para aqueles que creem na Bíblia, está tudo pronto, a resposta é Deus, mas o terreno aqui não é o filosófico e sim o teológico.
Assim, é para a Filosofia que a questão do "por que" permanece. Evidentemente não é algo do interesse de cientistas, artistas, técnicos, ela surge na história dos povos, em suas visões do todo, em suas imagens do mundo. A Filosofia não tem uso imediato, com ela nada se pode fazer, mas ela pode fazer algo conosco.
É nesse último sentido que vale a pena ir do domínio banal da existência, para o domínio do extraordinário, dar um salto, ser livre investigador e tentar alçar ao mais fundo como fizeram os primeiros filósofos, entre eles Heráclito e Parmênides.
O que unifica todos os entes em seu ser, o que os "essencializa"?
Para ambos é a força primordial, a physis. A poesia e o pensamento desvelaram a physis, ela é tudo, deuses, homens, pedras, é o que brota, o vigor, a intensidade, a permanência e o vir a ser.
O sentido primordial de physis não se restringe à natureza, portanto. Só mais tarde assume esse sentido e se opõe ao criado, ao produzido, à techne. Meta-física se tornou a investigação que vai além do ente físico.
Alguns exemplos da história da filosofia: os escolásticos, na Idade Média, respondiam à questão primordial, qual é o Ser dos entes com o "ato puro"; para Hegel, na Idade Moderna, o Ser essencial é o conceito absoluto; para Nietzsche é o eterno retorno da mesma potência; o próprio Heidegger essencializou o ente com o conceito de tempo, o homem é o ser-aí no tempo, aberto para a morte.

E quanto à segunda parte da pergunta, "e não antes o nada?" Como abordar o nada sem cair em paradoxo? Para falar sobre o nada não seria preciso que ele fosse algo, e então já não "seria" nada?
Isso de um ponto de vista lógico, mas a questão não é lógica e sim metafísica...
Um exemplo dado por Heidegger pode facilitar: o quadro de Van Gogh das botas, qual é o ser delas? Parece nos escapar, são tantas as leituras, e o mesmo se dá com o nada, a necessária suposição de que ser algo e não ser algo, quer dizer que há inúmeras possibilidades de ser e de não ser. 
Van Gogh, em uma de suas representações de botas, rotas, desgastadas. 

Como nossa época trata do ser? Ela pulveriza o ser em multiplicidades, inúmeros usos, o mundo se obscurece com guerras e terrorismo, um ditador assassina famílias com armas químicas, dependemos de energia em todas nossas atividades, e assim também destruímos o mundo, nos massificamos, nos reduzimos às escalas do tudo pronto, do imediato, do consumo instantâneo que leva ao esquecimento do primordial, não fazemos mais uso de nossa liberdade.
Isso é o que nós modernos temos feito com o ser dos entes, reduzimos tudo à mensagem, à imagem.

Mas ainda dá para perguntar, o que cada um de nós faz consigo, o que pensa de si, ao que dá valor?

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