terça-feira, 5 de julho de 2016

Filosofia como terapia contra as seduções da linguagem

A função terapêutica da filosofia pode ser entendida como consolo, solução às dúvidas, esclarecimento, limpeza da mente quando o filósofo nos conduz a um tipo de repouso da alma. Não aquele repouso que as religiões e a meditação alcançam, e sim o da tranquilidade que as reflexões acerca de nós, nossa vida, nosso ser, o sentido de nossa existência abrem novos caminhos, mesmo que não se chegue às respostas.
Se a filosofia sobretudo indaga, as religiões e a meditação transcendental sossegam, pois não devem gerar dúvida nem conflito.
Em compensação, as perguntas de estilo filosófico exigem muito menos da emoção e bastante do intelecto, da inteligência curiosa, do estudo dos mais eminentes filósofos, das próprias questões que muitas vezes postulamos.

Mas, se a filosofia como terapia for entendida no sentido de Wittgenstein, as exigências costumeiras da reflexão filosófica devem, ao contrário do exposto acima, ser elididas e no lugar de refletir sobre o ser em geral (metafísica), sobre nossa existência, sobre o conhecer, o saber, o que é o real, o que é verdade, certeza, Deus, o mundo, a totalidade dos seres, Witgenstein surpreende:
Não temos e nem precisamos desse tipo de problemática, nosso modo de vida, nossas formas de vida aprenderam a linguagem, a lidar com ela e simultaneamente com tudo o que nos cerca em nosso dia a dia. 
O filósofo vienense se debruça sobre o uso normal da linguagem, os jogos de linguagem e desse modo dissolve questões ao invés de resolvê-las.
(1889-1951)
O que é o ser? Faça a seguinte experiência: como você usa no trato da linguagem, que foi aprendida e que só faz sentido nesses usos, o verbo ser, ou o substantivo ser. 
Se você conversa com alguém e pergunta, o que é isso ou aquilo, se você ensina a uma criança a diferença entre seres vivos e seres inanimados, se você adverte que é preciso ser responsável, se você em uma aula de filosofia expõe a natureza do ser para certo filósofo, isso mostra que há diversos e diferentes usos do termo ser.
Desse modo, entendendo que o problemático uma vez contextualizado pelos usos habituais de jogos de linguagem, se dissolve, o que pode parecer inócuo e decepcionante, se transforma com a terapia filosófica de Wittgenstein. Ela pode significar um modo novo e interessante de encarar justamente, sua própria vida, seu destino, o que é inalcançável e que não poderemos nunca compreender (mistério que envolve o começo, as causas, a divindade, o fim de tudo, e muitas questões metafísicas) e dá-se então uma reviravolta no tipo de vida e de vivência: tristeza, alegria, frustrações, realizações, passam a caber em outro molde após a terapia. 
Reduzir as questões filosóficas ao modo cotidiano e mesmo banal de nossas formas de vida, significa aceitar que somos nós mesmos os produtores dos meios que nos levam àquelas questões. Quer dizer, sem a linguagem aprendida, sem os meios culturais nos quais ela se forja, não teríamos como alcançar inclusive a tranquilidade da reflexão filosófica, que mencionamos no início. Mas com uma nova visão, uma nova perspectiva, a nossa, a humana, tudo muda de figura.
"Mesmo o mais poderoso telescópio requer para seu uso a medida do olho humano".
"Um enigma filosófico surge quando se tem uma morfologia limitada dos usos da linguagem"
"Um conceito é uma técnica de uso de uma palavra" 
"Pensamentos que estão em paz, é a isso que a reflexão filosófica almeja"
(Wittgenstein)

Nenhum comentário:

Postar um comentário