quarta-feira, 8 de novembro de 2023

"Investigações Filosóficas", 70 anos de sua publicação (parte II)

 Wittgenstein se detém em investigar a sensação, a de dor especialmente, na qual é preciso haver critério de identidade, como traduzir, como descrever a sua experiência de dor. Os outros podem compreender as expressões normais de sensação. Por isso mesmo, não são expressões privadas, há que se usar palavras em certos jogos de linguagem. E ele pergunta, "vermelho" é só para certa pessoa? A mão tem dor ou eu tenho dor na mão? Expressar sensações requer critérios, reconhecer, capacidade de descrever a dor. Dores não se apresentam como imagens em um quadro.

Note-se aí uma crítica ao empirismo, há inúmeras funções e propósitos da linguagem, pensar sobre casas, dores, bem e mal ou tudo o quanto se quiser ou puder, não provém de percepção dos sentidos. O que não significa ser Wittgenstein um behaviorista, apenas que os processos mentais são reportados a usos normais, e não significa tampouco resolver o problema filosófico da sensação. O comportamento de dor é reconhecível, o grito pode expressar dor, e isso difere de uma sentença ser a expressão do pensamento.

E quanto a "pensamento"? Para o filósofo há muitos modos de expressão, de compreensão, atitudes que podem resultar em sucesso ou insucesso, modos de viver e de pensar, de justificar e isso tudo não fica englobado pelo "pensamento". A fala é o veículo do pensamento, mas é preciso saber em que situação e contexto se usa o termo "pensamento": pensar em uma canção, dizer algo em voz alta, ou só para si, lembrar de algo, contar algo, escrever uma carta, dificuldade para escolher palavras. Há intenção antes da expressão? Haver intenção está ligado a costumes e instituições, é preciso uma língua. Pensar algo pode ser visto como "incorpóreo"? Sim, se comparado a comer, por exemplo. Pensamento é algo estranho?! Mas não quando pensamos... 

Wittgenstein considera que pensar se assemelha usar um instrumento, ferramentas tal como se usa para calcular, para indicar, e sempre seguindo critérios de aplicação. Esses usos das palavras fazem dele um nominalista? Não, pois o erro do nominalismo é considerar que todas as palavras são nomes. A "vida" de um signo é seu uso. Uma seta indicar direção depende de um uso.

A lógica proposicional é desconstruída, pois a proposição é usada em casos como o de justificar, e a própria justificação vai até certo ponto, e só assim atinge seu objetivo. Inferir pertence aos contextos normais de fala, em que entram os propósitos, as ocasiões. Os conceitos têm usos diversos, não formam um capa a priori, eles são instrumentos que podem expressar interesse, direcionar a atenção. O processos interiores, mentais precisam seguir critérios que vêm de fora, que levam a tomar decisão, recuar, permanecer, seguir em frente.

Enfim, na parte I de Investigações Filosóficas as palavras chave não são mais sentença, relação pictórica com fatos e sim jogos de linguagem, situação normal de uso, contexto, seguir regras e a infinita diversidade de comportamento requerido por nossas formas de vida. 

 Wittgenstein com Francis Skinner em Cambridge

É a filosofia em plena horizontalidade, eis-nos, assim somos, agimos, falamos. Nada a respeito de noções metafísicas, éticas, políticas, e sim a imensa variedade de comportamentos linguísticos e não linguísticos. 

(parte final na próxima postagem)

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