terça-feira, 14 de novembro de 2023

"Investigações Filosóficas", 70 anos de sua publicação (última parte)

A segunda parte de Investigações Filosóficas se divide em 14 capítulos, o mais longo sobre o conceito de ver. Há uma desmontagem da noção de mente como contendo processos internos, puros. Wittgenstein prossegue com a tese dos jogos de linguagem, do comportamento e do que ocorre em situações diversas para mostrar que o pressuposto de estados mentais semelhantes entre si, que pertencem à consciência dos sujeitos, não se sustenta.

E ele questiona: como a consciência surgiu, como se aperfeiçoou, como as impressões dos sentidos formam como que quadros; como por meio da palavra, de movimentos e gestos do corpo, descrições são feitas; como "eu tenho medo" é suscetível de ser descrito? Em que ocasião e contexto pode ser dito? Estados mentais de medo, de crença podem ser afirmações, hipóteses, impressão dos sentidos, descrever algo para alguém, por sua vez, é outro processo, outro conceito. Crer falsamente é impossível. 

Quanto ao ver, entram diversas categorias, um vê isto outro vê aquilo, um vê detalhes que o outro não percebe, um compara, outro não. A fonte dessas capacidades pode interessar um psicólogo, mas ele, filósofo, se interessa pelos conceitos e seu lugar em nossas diversas experiências.

A figura de Jastrow do pato/lebre é um dos exemplos usados por Wittgenstein sobre a capacidade de ver aspectos de certas imagens externas, e não internas ou mentais. 



E para sustentar essa tese, ele recorre a vários casos, a vários exemplos: relatar uma experiência; exclamar "é uma lebre" ao ver de repente o animal saltar; ver algo como tal de longe, e ao se aproximar, descrever o visto; ver como côncavo ou convexo, achatado ou tridimensional. São sempre conceitos operando, fixando os inúmeros papéis das imagens em nossa vida.

Diferentes modos de ver.


A criança entra em uma caixa que diz ser sua casa, ela a "vê" como casa. Objetos podem se tornar isso ou aquilo, podemos ver semelhanças, podemos olhar e não ver. Certo aspecto de um objeto visto em um desenho é relacionado a outros objetos. Assim, ver é diverso pode ser uma interpretação, um estado, um pensar.

A diversidade e capacidade de usar palavras, de ver, de interpretar, repetir algo, são diferentes experiências que podem vir acompanhadas por gestos, caras, tons de voz.

Com isso Wittgenstein mostra que se trata de processos, e exemplifica com "eu sei" semelhante a "eu suponho", "tenho certeza", "me lembrei disso". Já dizer "eu sei o que eu estou pensando" soa estranho: Toda uma nuvem de filosofia condensada em uma gota de gramática (p. 189).

Nós permanecemos inconscientes da prodigiosa diversidade dos jogos de linguagem cotidianos porque a roupagem de nossa linguagem faz com que tudo fique parecido (p. 191).

O que nos é dado? Padrões, o que aceitamos, nossas formas de vida.

Pergunte, como você aprendeu? Alguém diz ter faro para algo, é um padrão. Mas fingir dor é padrão no tecido de nossas vidas?!

Uma criança precisa de muito aprendizado para fingir; um cão não pode ser hipócrita e nem sincero... Se um leão pudesse falar nós não o entenderíamos (p. 190).

Questões filosóficas são dissolvidas ao serem inseridas em nossas vidas, em nosso aprendizado, nos usos da linguagem. Libertar a mosca do vidro. Sem transcendência nem transcendental...

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