Diógenes de Laércio relata a seguinte passagem: "Conta-se ter dito Heráclito a estranhos que o queriam visitar e espantam-se ao vê-lo aquecer-se junto ao fogão: podeis entrar, aqui também moram deuses". Já escrevi sobre esse trecho em outra postagem. Acho-o muito significativo, pois traz o filósofo e a filosofia para o cotidiano. Na modesta cozinha, junto ao fogo, preparando comida, também há deuses, há o ideal, o nobre, o que de mais sublime os homens podem almejar.
Essa união entre real e ideal tem alimentado a filosofia e nos conduz à reflexão sobre nossa essência humana, o que pensamos sobre nosso modo humano de ser.
Em tempos antigos, os filósofos projetavam como ideal a sabedoria da alma, do logos, do pensamento: "O logos, que pertence à alma, diz Heráclito, aumenta a si próprio". Quer dizer, o logos retira de si a capacidade de conhecer, de chegar à sabedoria. Sabedoria pode ser interpretada como o encontro consigo, como uma espécie de revelação, de iluminação.
Guerra e Paz é um formidável romance de Tolstói sobre a nobreza russa e a guerra contra Napoleão. O príncipe André, um dos personagens principais, defendera, antes de ir para a guerra, os ideias de força e expansão de Napoleão. Mas na batalha, ferido pelo exército francês, e em meio a cadáveres e à dor, contempla o céu. Como poderia este céu estar ali e ele tê-lo ignorado? É o logos que o leva essa revelação:
"Não há nada, nada decerto, senão o pouco de valor de tudo quanto posso compreender e a grandeza desse não sei quê que me é incompreensível, mas que nem por isso deixa de ser a única coisa importante".
Napoleão passa por ele, pede que o socorram. Mas para o príncipe André, Napoleão já perdera a grandeza...
O que mudou na filosofia? Da alma platônica imortal, sede da sabedoria, cuja prisão é o corpo, até o corpo vigiado e punido, cuja prisão é a alma, como analisa Foucault na atual sociedade disciplinar -, o foco da filosofia mudou, há outros objetos de análise (a linguagem, a sociedade, a história, entre outros).
O que não mudou foi o uso do logos para chegar aos limites do poder reflexionante. Sobre o que pensar, e o que analisar, é possível expandir com o passar do tempo histórico e com as dificuldades e problemas novos. Mas há limites intransponíveis, a lógica do pensar, o que é possível pensar, as fronteiras da significação e das formas de significar.
Mistério. O incompreensível, como diz Tolstói.
Profª. Inês,
ResponderExcluirCreio que o mais interessante da filosofia não tem sido o início nem o fim, o que nunca se chegará, mas o percurso que ela está a percorrer em cada tempo.
Gostei muito da sua reflexão. E tenho partilhado todas, como bom admirador, em meu blog, com meus modestos leitores.
Um grande abraço!
Sim, Isaac, a filosofia acompanha e às vezes até mesmo marca e/ou guia toda uma época.
ResponderExcluirSer compartilhada em seu blog é mto bom!
Um abraço!