domingo, 23 de julho de 2023

Ousar saber

 É bem conhecido o artigo de Kant em "O que é o esclarecimento".

Kant 1724-1804


O tema é o da autonomia para decidir, para sair da minoridade em sentido moral. Quer dizer, pessoa capaz de tomar decisões guiadas pela sua própria determinação, sem precisar de um guia, de um receituário, da palavra de uma autoridade. 

Foucault comenta em vários escritos sobre a importância e o significado do lema kantiano. Abaixo seguem algumas de suas considerações.

Sair da minoridade, o que isso quer dizer?

“Saída” que envolve pessoas que ousam saber, que superam a falta de vontade, que são capazes de autodeterminação, que prescindem de tutela. Ser tutelado não decorre de lhe terem retirado direitos, pois a própria pessoa se abrigou sob algum comando. E quais seriam esses comandos? Seguir o diretor de consciência, ou o médico, no que diz respeito ao uso legítimo da razão, da consciência moral. (Claro, não de uma orientação propriamente médica que tem a ver com a saúde). O diretor de consciência não deveria servir como base primeira de conduta, pois haveria perda da autonomia.

Usar a razão depende de cada um sair da preguiça, da covardia moral, os homens são incapazes e fracos, responsáveis por seu estado de minoridade do qual não conseguem sair. Os que o fazem, usam seus próprios meios libertadores, eles pensam por si, mas não em relação a toda humanidade. Líderes há que submetem todos à sua autoridade. Mas, os verdadeiros líderes deveriam ser capazes de libertar a todos. Os obstáculos são a obediência e a falta de raciocínio, a confusão entre público e privado. Há quem raciocine, mas ainda assim obedece. 

Pelo uso privado de nossas faculdades seguimos sendo como que peças de uma engrenagem, somos servidores. Pelo uso público, somos seres razoáveis, nos dirigimos a outros seres razoáveis, com liberdade. Um exemplo de agente liberador foi Frederico da Prússia, que pregava a liberdade religiosa, e isso ele pôde fazer porque dispunha de um exército forte que assegurava a tranquilidade pública. “Frederico da Prússia (...) é esse agente da Aufklärung que redistribui como deve ser o jogo entre obediência e uso privado, universalidade e uso público” (p.37). O uso público da razão cada vez mais livre, universal e autônoma, requer a obediência privada à ordem civil, à sociedade civil. (Foucault, Gouvernement de soi et des autres).

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Penso que essa determinação de ser senhor de si mesmo depende dessa outra determinação, ousar saberExperimentar os efeitos de uma pergunta feita para você mesmo: por que não? Ela rompe com os limites que colocamos para nós. Pensar diferente, agir diferente, romper com modelos impostos. Vale tentar.

Nota: a distância entre Frederico da Prússia e Vladimir Putin, enorme, gritante!

Frederico da Prússia - 1712-1786




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