quarta-feira, 1 de março de 2017

Existência, cuidado, morte: temas essenciais para Heidegger

Debaixo do céu há o mundo, os seres humanos e a lida desses com as coisas, em total dependência com relação ao tempo, ao desdobrar da existência. 
Quando Heidegger abandona o catolicismo e seu projeto de seguir a vocação eclesiástica, foi movido pela fenomenologia, como vimos na postagem anterior, e pela nova visão de que o mundo que está aí à disposição dos homens, é disso que se trata. Não basta reconhecer a realidade das coisas que fazemos, a vida em sua evolução. Sem deuses e sem religião, o filósofo se volta para a existência, o ser aí, no mundo, sem que algo divino ou superior dê sentido ou justifique essas existências. O que as sustenta? Nada a não ser o tempo. Tempo não o do calendário, nem os tempos que virão, não a promessa de imortalidade. Tempo não da alma ou do espírito, tempo não do corpo, tempo da minha vida, ou melhor, da minha existência.
O jovem Matin Heidegger
Como lidar com esse ter que agir e enfrentar a cada instante o que está por vir?
Impossível prever o futuro, mas possível e próprio ao ser no tempo é preocupar-se em tecer o que está por vir, cuidar, lidar com as coisas, atividades que se desdobram no tempo.
A experiência de ter que lidar, enfrentar, faz com que esqueçamos de nós, de nossa vida, e súbito caímos. A essa queda Heidegger chama de "ruína", aquele incrível insight de que somos algo fadado ao nada, à morte.
A sensação de queda, de estranhamento, de nada, ao invés de levar a um tipo de renúncia ou de derrota, impulsiona o ser para sua existência própria, aí, no meio às coisas, diante de um futuro inteiramente aberto, e aberto para que? Para o fim. Saber-se vivente, existente que vai morrer, não desestimula e nem assusta, pelo contrário, dá sentido à vida.
Um paradoxo?  
Não, se pensarmos que paradoxal implica em raciocínio lógico, e não é de lógica que se trata e sim desse abandono do ser a si mesmo, quando se percebe mortal e precisa viver essa mortalidade. 
Acontece que é mais fácil esquecer disso, divertir-se, escamotear a fragilidade, pretender-se incólume ao tempo, remendar aqui e ali, seu corpo, seu rosto, seu dia a dia. Com deuses, profetas, milagreiros, passatempos, diversões, com as receitas de ajuda e de consolo. Pular, pular, pular... Como macacos, não como existências atentas ao seu poder ser: "coragem para a angústia".

O que move a Filosofia? Desde seus primórdios a questão do ser, como ocorre que tudo seja, que entes tenham vindo a existir, começo, causa, fim, busca de sentido.
Heidegger põe essas questões em novo trilho, o de nossa existência. Em lugar da fuga em direção a um transcendente, a abertura, ser livre e escolher a si mesmo, ver o mundo como disponível, habitável, que a condição humana é feita de escolhas no tempo que nos move, que somos absolutamente contingentes, e que angustiar-se com isso, é próprio de nossa existência.

P. S.: E pensar que Heidegger abraçou o nazismo durante certo período, e pensar que foi amante de Hannah Arendt... Fica para outra postagem.

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