quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Metafísica e ontologia

A filosofia comporta três áreas de estudo, a do ser (metafísica, ontologia e teodiceia), a do conhecer (teoria do conhecimento, epistemologia, filosofia da linguagem e lógica) e a do agir (ética, estética, filosofia social, filosofia política e antropologia).
O propósito dessa divisão é didático, prático. Em tese essas áreas podem ou não se distinguir e a filosofia pode estender ou encolher seu campo teórico e prático.
Na postagem anterior abordei a metafísica, ou melhor, a crítica de Kant à  metafísica tradicional.
Mas, o que é metafísica?
Na definição clássica de Aristóteles, é a ciência (no sentido de saber especulativo) do ser enquanto ser. E o que é o ser enquanto ser?
É preciso antes entender que pelo raciocínio e pela reflexão filosófica é possível abstrair qualidades e características mutáveis das coisas, como seu aspecto, sua duração, seu gênero, sua localização, etc., para ficar apenas com a característica ou categoria essencial, imprescindível, aquela sem a qual nada seria o que é. Trata-se justamente do ser.
Um cão, por exemplo, pertence a um reino, a uma espécie, a uma raça, e antes de tudo, ele é cão.
Determinar por meio de categorias todos os seres, leva à abstração do particular para ficar com o mais geral, com o universal.

Imediatamente surge a pergunta seguinte:
O ser é e existe como? Por que e de onde surgiu essa existência como tal ou tal ser?

A pergunta metafísica recebe resposta filosófica bastante intrigante: do nada é impossível, e se veio de outro ser, este deve ter sido original, primeiro, causa de tudo, como: a Ideia do Bem (Platão), o motor primeiro imóvel que produziu o movimento inicial do cosmo (Aristóteles), Deus criador do mundo a partir do nada (filosofia cristã), o Uno (Plotino), o Ser Perfeito (Descartes).


A pergunta feita pela ontologia (ontos=ser), em contraste, não requer eleger uma causa inicial e dar uma resposta definitiva. É a pergunta pelo que move a razão, a inteligência humana, a curiosidade, a capacidade de nomear, de inquirir, de investigar uma região do saber, a do ser e do existir. O instrumento é também a reflexão, porém sem a exigência de sistematizar por meio de conceitos como causa, uno, universal, origem e fim último.
É uma indagação que precisa da linguagem que nomeia tal categoria, a do ser. Promove aquele que faz a pergunta pelo ser, como responsável por ela; nós todos, seres humanos que usamos o verbo ser, e também culturas em que tal verbo tenha outras traduções, carregamos a pergunta cuja resposta depende de nossa liberdade, criatividade e de nossos limites.




O alvorecer dessa questão, desde que passamos a nos perceber em meio a um cosmo, a uma natureza e o anoitecer dessa pergunta em meio a nossas dúvidas, fraquezas e tudo o que viemos a construir e a destruir - cabe apenas a nós, nos pertence. Pode se apresentar sob a forma da arte, do teatro, da poesia. Pode se dar na meditação, no recolhimento pessoal. Pode ocorrer em uma cena épica da literatura ou do cinema.

Quem já experimentou essa voragem, essa revelação e essa transcendência, a sensação de que tudo se encaixa, os raros e sublimes episódios de epifania, tranquiliza-se. O ser das coisas tal como está, está bem.

Há quem sofra com o oposto: nada se encaixa, a vida, o ser das coisas é absurdo, nada faz sentido. Não será também uma revelação, uma epifania? O necessário avesso, talvez.

David Foster Wallace é cético e pessimista. Diz ele:

In reality, genuine epiphanies are extremely rare. In contemporary adult life maturation & acquiescence to reality are gradual processes. Modern usage usually deploys epiphany as a metaphor. It is usually only in dramatic representations, religious iconography, and the 'magical thinking' of children that insight is compressed to a sudden blinding flash.
(Na verdade, epifanias genuínas são extremamente raras. Hoje em dia, na vida adulta a maturação e a concordância com a realidade são processos graduais. O uso moderno em geral entende epifania como uma metáfora. É em geral apenas em representações dramáticas, na iconografia religiosa, e no 'pensamento mágico' infantil que essa súbita visão é comprimida em um rápido brilho que cega).

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