domingo, 12 de outubro de 2025

Inteligência Natural - Inteligência Artificial

 A Filosofia se faz presente em nossos dias muito mais pela capacidade de interpretar do que pela pura reflexão, pois esta talvez não baste para as tarefas que o filosofar nos impõe.

É o caso dos debates e das propostas em vários setores da sociedade e da própria vida humana que se dão em torno à inteligência artificial (IA). Ela é alimentada o tempo todo por impulsos autogerados, informações recolhidas por anos e anos de postagens, programas, reportagens, conhecimento científico, descobertas, enfim, todo um gigantesco material produzido por quem? Por nós mesmos, e que é acessado pela IA.

A IA não interpreta a não ser o que for informado, não vai além do que é dado, o que permite solucionar problemas, sugerir alternativas, facilitar o caminho de todo e qualquer um que precise de um cálculo, de estatística, de opção com investimento, de diagnóstico, de leitura de imagens, e mesmo de como se vestir, se comportar, reagir. Truth Terminal capacita investidores em mememoedas a ganhos cumulativos, até mesmo a plantar árvores e criar esperança existencial! Computadores conversam entre si, geram respostas automaticamente, produzem ações autônomas, poupam quem a eles recorre de tarefas repetitivas. Podem formatar a realidade com suas interações com a cultura humana, os mercados e as redes sociais. 




 Mas a IA não é consciente, sensível, não deseja nem quer nada, apesar de seus usuários entenderem que sim. A inteligência natural foi quem criou a IA...

Onde entra a Filosofia? Não tem a ver com informação, com descrições de acontecimentos, com a solução de problemas que impedem sucesso, nem aponta o caminho mais fácil para investir, não usa estatística nem amostragem. Filosofar é interpretar e buscar sentido, inclusive não encontrar sentido, vai à essência do que e de como somos, o que nos motiva, finalmente, o que estamos fazendo conosco?

Incrível que bilhões de seres com seus próprios discernimentos habitem o planeta, que expandam seus limites com produtos e artefatos capazes de exterminar a vida e outros tantos de conservar a vida, que usem seu entendimento e sua sensibilidade para produzir a mais nobre arte e o mais prejudicial lixo. 

Em termos metafísicos, os seres humanos sofrem, se angustiam, se comunicam, buscam por sentido e realizações, anseiam por liberdade, autonomia, almejam serem educados o suficiente para dar razões de seus atos. Em nosso horizonte deveria haver a busca permanente por abertura, alçar voos, que não precisássemos sentir culpa, eleger deuses, cultuar mitos. Nem atrelar esses pleitos à IA.

A inteligência natural é capaz disso tudo, o filósofo abre essa porta, aventura-se nela, as possibilidades do Ser são inesgotáveis. Ao interpretar o que a tecnologia nos oferece, com seu acervo de ideias e conceitos, de projetos e de compreensão das consequências, a filosofia pode e deve mostrar que a responsabilidade é inteiramente nossa, de nossos representantes, de organizações, e, mais do que tudo do estado democrático de direito. Sem ele nos sujeitaríamos ao arbítrio, ao terror, às manipulações. Até mesmo a uma distopia em que máquinas inteligentes substituiriam a inteligência natural.

sábado, 4 de outubro de 2025

Sobre o orgulho

 Quando se reflete sobre o orgulho, é preciso fazer uma importante distinção. "Ele é orgulhoso" tem sentido diferente de "Eu tenho orgulho de você". No primeiro caso em geral se refere a alguém presunçoso, que se tem em alta conta, olha para o mundo e para as pessoas de cima a baixo, como se habitasse o mais glorioso posto, um olhar que humilha, que constrange. Algo moralmente inaceitável.

No segundo caso, ter orgulho do feito de alguém, feito este que engrandece, que enche o coração de um pai ou de uma mãe, de um professor, de um chefe, diz respeito a uma conquista, a uma tarefa bem executada, serve de estímulo, mostra sinceridade em seu juízo. O orgulho neste sentido é uma virtude ética, sendo uma virtude e como tal, uma disposição de caráter, que depende apenas da própria pessoa, esta se responsabiliza pelos seus atos, afirmou Aristóteles. Para distinguir os dois sentidos, "o orgulhoso" de "tenho orgulho de você", no primeiro caso há excesso, soberba, vaidade, pode ser considerado "como uma espécie de 'vaidade oca' e a deficiência como uma humildade indébita", segundo Aristóteles. Ao passo que avaliar positivamente certo ato, cabe dizer "eu me orgulho de você ter agido desta ou daquela maneira", mostra satisfação, acolhimento.

Note-se que no caso do orgulhoso, está em jogo o caráter. O orgulhoso precisa de público, precisa de bajuladores, precisa de serviçais. Em contraste, produzir o justo orgulho em alguém, os valores mudam, resulta de uma tarefa, mesmo modesta, que foi cumprida, satisfez quem executou e aquele que solicitou a tarefa, como um pai/mãe que tem orgulho de seu filho/filha, há atenção, cuidado, apreciação justa.

O amor à simplicidade de que fala Sêneca (4-65), nem o banquete, nem as roupas suntuosas, nem esperando a glória e sim o que se encontra com facilidade, o que está à mão, o que não produz inveja, e que está longe de cobiça, são valores que servem de contraponto ao desejo de glória do presunçoso. O mesmo Sêneca pede que não invejemos os que estão acima, em um cume, pois o cume nada mais é do que a beira de um abismo, importa fixar um limite para as ambições. 

Para Montaigne (1533-1592), sobre o falso orgulho ou presunção, ele diz: "ter-se em alta conta, a opinião demasiado alta que têm de si mesmos, estas são pessoas que não se conhecem, nem sabem como mover aquilo que elas próprias movem, nem decifram seus impulsos". São pessoas que se lançam como se fossem máquinas possantes, que vão moendo tudo à sua volta, sem olhar para os lados, e, principalmente sem olhar para dentro de si. 

Em sua verve crítica, Voltaire (1694-1778) expõe dois modos de se orgulhar: que um juiz sábio se orgulhe de seus feitos, que um governante justo se orgulhe de suas ações, é muito diferente de "nos confins de uma de nossas províncias meio bárbaras um homem que houver comprado um cargo insignificante e feito imprimir versos medíocres decida estar orgulhoso, eis o que dá matéria para rirmos longamente" (in: Dicionário Filosófico).

Como se pode notar, o orgulhoso se reveste de poder e se investe de poder, de muito poder, talvez sem merecimento, nem sempre concedido, e mesmo quando concedido, o poderoso esquece de onde proveio um tal poder, como seu uso magnânimo seria razoável e esperado, sua proporção, sua distribuição idem. Além disso, deveria levar em conta, que cargos são efêmeros, sempre haverá outro para ocupar seu lugar. O trono tem seu preço, o brilho, o olhar, o sorriso de autossatisfação podem desaparecer como se retira uma máscara. 



Orgulho ou soberba

Finalmente, a condição humana, somos mortais, o que é mais precioso legar? Algum fruto, por menor que seja, o exemplo, a capacidade de dotar-se com certo distanciamento, desprendimento, humildade.  

"Humilha profundamente o teu orgulho, porque o que espera o homem é a podridão" (Eclesiastes. 7.17.35).

Radical, não?


segunda-feira, 22 de setembro de 2025

A rara experiência do inalcançável

 É possível ao pintor chegar ao exato tom de azul do céu em sua tela? E com as outras cores que certa paisagem exibe, é possível fazer essa tradução? 


 

Céu azul, metáfora, impressão e inspiração

Não, e é exatamente por isso que a arte atinge o inalcançável, o que soa paradoxal, pois como chegar ao que é impossível de chegar? Pode-se colher alguma resposta em nossas próprias experiências. A alegria, as realizações, a busca da completa harmonia, a sensação de beleza total, a chegada triunfal ao cume da montanha, o atleta que se supera meta após meta, tudo isso vem acompanhado de certo vazio, de certa incompletude, algo sempre falta. Um engano considerar que essa sensação, que essa percepção, que essa vivência da falta sejam empecilhos, que prejudiquem e indiquem que somos irremediavelmente falhos.

É justamente porque algo falta, que o inalcançável se torna a meta, que atar o nó que enlaça desejos, crenças, projetos não possa ou nem deva ser dado. Talvez seja essa a mais própria e intrigante condição humana, que o impossível se torne possível. Somos movidos a tentar preencher com o que está à mão: certa nuance, a paleta de cores, a inspiradora combinação de notas, as palavras que expressam emoções e intuições do poeta, a coragem de dizer a verdade, entender o que nos impulsiona, consola e atrai. Neste sentido, o bilhete do suicida representa a derrota nessa busca. Ao explicar, expor seus motivos, sua dor, seu sofrimento ele/a ao mesmo tempo cede, renuncia ao inalcançável.

***

O que dizer sobre o oposto da busca por essa rara experiência. Alguns exemplos: as palavras repetidas, ocas, gastas, despidas de significado, que servem para ferir; o incendiário que ri do caos; o cerol na pipa; as mútuas acusações revestidas do ódio mais cruel; o culto ao deus da irracionalidade; os disparos de metralhadora entre gangues rivais; a eliminação pelo Talibã de autores mulheres de bibliotecas. Você leitor/a certamente acrescentaria outros tantos absurdos. 

Quando achamos que nada mais pode chocar, a notícia de alguns dias atrás (18/09/2025) pela BBC de menina recém-nascida enterrada. Um pastor de cabras, na província de Shahjahanpur, Índia, ao ouvir um gemido aproximou-se e avistou um bracinho levantado em meio a um monte de terra. Era uma bebê de aproximadamente vinte dias. Ele chamou a polícia, levada a um hospital, médicos tentam salvá-la. Até onde se sabe, a criança sobrevive. 



Bebê na UTI (Índia, setembro 2025)

Há uma preferência por meninos neste país de Indira Gandhi, uma mulher. É no ventre de mulheres que meninos e meninas são gestados...

O que o pastor sentiu? Provavelmente o avesso do inalcançável, do sublime, da alegria, do júbilo que o nascimento de uma criança, um filho ou uma filha gera. O pastor experimentou a crueldade.

domingo, 14 de setembro de 2025

Os perigos da polarização

 Um ativista é morto com tiro no pescoço ao expor suas ideias em espaço universitário; movimentos de massa são comandados por palavras de ordem; um julgamento, tal qual juízo final é conduzido por salvadores da pátria; a pressão política vem camuflada sob argumentos jurídicos; extremistas se empurram, se acusam e acuam uns aos outros em campos opostos, como verdadeiros inimigos. 

Em meio a esse caos em que tudo tem a aparência de ordem, até mesmo a clareza do raciocínio serve aos ideólogos, o argumento baseado em fatos sofre pressão, não custa voltar ao Grande Irmão do livro premonitório de George Orwell, 1984. Citado, parodiado, enaltecido, merece ser lido ou relido. Tudo o que se conhece como civilização é destruído, há patrulhas em todo canto, a verdadeira força não vem dos exércitos e sim da conversão do pensamento e da linguagem. A Política do Pensamento, a invenção da Novalíngua que diz: Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força, empurra todos para a obediência, para a cegueira ideológica. 

Vive-se em nosso país sob essa cegueira ideológica, que escraviza e compromete a integridade e a liberdade. Duas pontas de um mesmo cordão, a multidão insuflada e presa à imagem de liderança construída para se opor à outra imagem, de outra liderança, resultou em duas situações políticas, de direito e de fato, institucionalizadas, dois polos que se enfrentam pelo poder. Há mais ódio do que busca de entendimento, mais acusações mútuas do que sensatez e argumentos, mais lama jogada de um lado para o outro e arbítrio, do que compreensão baseada no justo meio, na inteligibilidade, na razoabilidade.

O condutor de massas, imbuído de missão salvadora, investido de uma mística, não é desvendado, não se aponta para suas fraquezas e insuficiências, e, principalmente, seus erros. Investido dessa mística ele eleva o tom, e o clamor de multidões não cessa ao ponto da quebradeira que acabou por justificar e dar voz aos justiceiros. E pior, o tribunal que investigou e condenou esse messias, não fez justiça, ludibriou, controlou, manipulou. Consequência, a mística se fortalece, a multidão agradece pois sua causa fica demonstrada. Trata-se, é claro, do ex-presidente.

     

                                               

 Acima de tudo e de todos foi imposta, votada, anunciada a versão final dos fatos pelos juízes que dão a cartada final. Uma versão que agride o senso de justiça e que acaba por agigantar a mística: "tentar" deve ser entendido, na Novalíngua suprema, como executar, como ato realizado. O novo significado de "tentativa" é "realização". Assim, se alguém diz "tentaram roubar meu carro" = "roubaram meu carro"; "houve uma tentativa de escalar a montanha" = "a montanha foi escalada", e assim por diante. 

Voltando à obra 1984, o Grande Irmão obrigou pessoas a trabalharem em versões diferentes dos fatos, selecionam uma ou outra, usam referências cruzadas "e então a mentira escolhida passaria para os registros permanentes e se tornaria verdade" (97-98).

Quem pacificará os ânimos? Como seria viver sem tutela? Qual o preço da idolatria? Quando a massa governável e manipulável acordará?

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Qual é o sentido da vida?

 Em nossa eterna busca por satisfação, surge a pergunta: qual é o sentido da vida? Simples, é dar sentido à vida

Há os insatisfeitos para os quais o copo parece estar sempre meio vazio, então é preenchido com preces, promessas, arrependimento, dor moral, pior do que mesmo a dor física. Entram em um labirinto sem o cordão para guiar no caminho de volta, labirinto penetrável (se impenetrável não seria labirinto) e sem fim. Onde parar? Em certo ponto, como se fosse um ponto de ônibus com a placa: "Esperança". Segue então seu destino, até que o motorista anuncia: "ponto final".

Para onde irá minha alma, meu espírito errante? O vazio daquele copo precisa ser preenchido a todo custo. Sem escolha livre e consciente, a pessoa se encontra presa a grilhões, não quis ou não pôde escolher.

A possibilidade de escolher, repetindo, é o que dá sentido à vida, sermos capazes de enfrentar, de decidir, de realizar.

As mais terríveis "prisões" são as que impedem essa liberdade, como a dos eternamente dependentes de uma mãe, no sentido literal e no sentido figurado; aqueles aos quais não foi dada a educação, a formação para serem independentes; aqueles aos quais foi subtraída a condição de vida minimamente sustentável; aqueles que são jogados para a margem, seja pela violência, seja pela ignorância; aqueles que são escravizados, discriminados, submetidos a um poder soberano. 



Escravos na lavoura de algodão (Estados Unidos)

Dar sentido à vida por meio de uma profissão, da arte, do trabalho, do afeto, da amizade, dos vínculos familiares, do amor dos pais pelos filhos e dos filhos pelos pais, nessas relações há construção de sentido duplamente, encontrou-se um caminho traçado voluntariamente, e encontrou-se valor, os esforços valeram a pena. Foram superados os obstáculos do impulso, da submissão, do conformismo. Houve determinação, houve vontade, houve luta, houve remoção de obstáculos e mais, a possibilidade de usufruir dessas conquistas.

Quando isso é impossível? Por escravidão, ameaça, perseguição, castigos mortais, imposição de uma rotina excrusiante. Isso significa que essas vidas não têm sentido? Essas vidas demandam sentido, impedidos de escolher, há que lutar por eles, justamente as pessoas capazes e responsáveis, bem como instituições onde há liberdade, informação, direito, leis, justiça. Sua vida pode dar sentido a muitas vidas.


segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Um encontro entre Nietzsche e Hermann Hesse

 Para Nietzsche (1844-1900) não chegamos e nem podemos chegar a nenhuma verdade, apenas às verossimilhanças, aproximações, probabilidades. Perseguir uma crença, um sonho, lutar por isso, a que nos conduziria? À diminuição da vontade, quanto maior a crença menor a vontade. A vontade adoece, enfraquece quando seu lugar é ocupado por verdades eternas, pelo apego dogmático por partidos políticos, por curas milagrosas, pelo medicamento que cura todos os males. Esses recursos empobrecem a luta, o sentido trágico da existência, a capacidade para criar, elevar, seduzir.    

Nietzsche -1844-1900

 Com espírito livre alçar montanhas e dali contemplar o que somos e fazemos, desapegados de algo como fé inabalável, de lutar e matar em nome desse sagrado, Nietzsche propõe indagar sobre a origem dos valores, e de sua aceitação como absolutos; essa eterna reivindicação de poder, não liberta, e sim escraviza. O filósofo ressalta a sensibilidade, o gozo artístico, a renúncia à moral do rebanho, da resignação, em lugar disso enaltece a vida, a força vital. Há o inevitável, que necessariamente acontecerá, mas também há liberdade de conduzir a vontade para avaliar, para interpretar, elevar-se, superar-se, criar, desvelar perspectivas.

Hermann Hesse, escritor alemão, prêmio Nobel de Literatura, escreveu obras que influenciaram a geração dos anos 50-60, como "Sidarta", "Demian", "Lobo da Estepe". Desta última retirei algumas reflexões para imaginar o encontro entre o escritor na pele de seu personagem, Harry, com Nietzsche. Harry é o lobo da estepe, um ser dividido entre a condição de lobo e de humano, convivem lado a lado, ora prevalece o caráter animal, ora o humano. O personagem ama poesia, filosofia, música clássica e vinho, muito vinho, avesso à vida burguesa, que ele rejeita, critica, não suporta a ponto de sentir dor no estômago. Uma das alternativas é o humor, que é "burguês, apesar de o burguês em estado puro não ter a habilidade de compreendê-lo" (p. 72). Renunciar a certas exigências que se supõe como superiores, demonstra sabedoria de todo aquele que se vale do humor. 


Hermann Hesse - 1877-1962

Convidado por um antigo colega para jantar em sua casa, Harry hesita, mas acaba aceitando. Tudo soa falso, desde o serviçal recolhendo seu casaco, uma pintura de Goethe, a falta de assunto compatível; acaba por comer mais do que o costume, esse jantar não fora boa ideia. 

Quanto fazemos por pura obrigação, sem pensar no que realmente queremos ou podemos fazer, tarefas, trabalho mecânico, cansativo, dia a dia em esforços contínuos, somos como a alma de Harry dividida entre o lobo e o homem: impulso X necessidade.

Como se sentiria Nietzsche com relação àquele convite para um jantar "burguês"? Imagine que ambos fossem convidados, Hesse/Harry e Nietzsche se entreolhariam, silenciariam, se despediriam aliviados, sairiam a passear, entrariam em uma taverna, saudariam a existência errante com vinho, muito vinho, a refletir sobre a condição humana. Excesso de etiqueta, muita superficialidade, falta de humor e de senso crítico, nenhuma noção do que seja de fato poder, que poder não é mitificação, não é proclamar-se com razão acima de tudo e de todos, que aquele que se toma como superior ou supremo, avalia seguindo critérios inventados, humanos, portanto. Desconhecem isso e se presumem como divinos,  absolutos.

Ambos dançariam, olhariam do alto e para o alto, veriam o quanto há apego ao poder, que se erra, que as avaliações são relativas, e, quando consideradas como absolutas, falta-lhes perspectivas, falta-lhes graça, humor.

Sou um estranho neste mundo. Religião, pátria, família, estado, nada significam para mim. Sem nenhum fundamento, o desejo de seguir adiante nesses caminhos que conduzem a ares sombrios, se esfumaça como nas canções primaveris de Nietzsche. (Hesse: Der Steppenwolf, p 90).

***

Última observação, se você não gosta, se sente mal, fica incomodado com certo humorista, desligue a TV, o celular, não vá ao show.  O errado é emudecer o artista, o comunicador. Censores são sempre patéticos.





segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Ética e Moral, aproximações e diferenças

Como definir Ética? Como definir Moral? Essas perguntas surgem nas aulas de Filosofia, a resposta não é simples.

Ética é uma entre outras disciplinas dos cursos de Filosofia. Ao passo que Moral não consta como disciplina acadêmica. O contrário de ético é antiético; o contrário de moral é imoral. Muito diferentes as duas acepções. O que dá uma pista para a diferenciação. "Atitude ética", "atitude antiética", significa seguir ou não princípios jurídicos, de sociabilidade, valores exemplares ou o contrário, condenáveis. "Atitude moral", "atitude imoral" sugere comportamento louvável, adequado, que segue normas de conduta ou o contrário, inadequado, que causa indignação, vai contra expectativas sociais e de convivência, fere emoções e sentimentos perante certo público. 

Como as fronteiras não são assim tão nítidas, experimentemos ir para a História da Filosofia.

O princípio ético para Sócrates é a sabedoria, a reta vontade é o guia para a ação ética, é preciso tanto o saber como a prática das virtudes, a mais nobre delas é a justiça.

Para Platão a alma imortal é a sede de quatro virtudes espelhadas na polis (sociedade): temperança, fortaleza, sabedoria e justiça.

Na obra "Ética a Nicômaco" Aristóteles, como o título indica, expõe princípios e conceitos da ação e sua finalidade, que é a busca de um bem, que não reside no transitório, nem é algo particular, e a que todos almejam, e que é a felicidade contida na virtude. Virtude é uma disposição do caráter, tem a ver com escolha baseada no justo termo, nem tanto ao céu nem tanto à terra (ver postagem de 29/abril/2016).

Em Descartes fica clara a distinção, ele propõe máximas morais, seguir com cautela em suas decisões, estudar as dificuldades, ir do mais simples ao mais complexo. Como se vê, trata-se da ação, da conduta que serve de guia para ele próprio, mas que pode servir para outras pessoas. 

O mesmo para Pascal, que analisa a natureza humana, sua grandeza e sua fraqueza, o que motiva nossas ações? Todos querem ser felizes, os meios falham, daí buscam o que é infinito e não falha, Deus (ver Pensamentos, capítulo "A Moral e as Doutrinas").  

Kant escreveu um tratado sobre a razão prática, sobre os fundamentos da moral, quer dizer, princípios que guiam ou que deveriam guiar a conduta, o maior entre eles o dever, agir por dever. Não é uma "ética" do dever e sim uma moral do dever. O que sustenta o argumento de que, quando se invocam princípios para a vida prática, isso indica ser território da moral e não da ética.

Nietzsche pergunta o que valem os valores, responde que se deve ir além de bem e mal, partir para novos valores em nome de vida renovada, reavaliada, questionar o ser "bonzinho/a", explorar novos horizontes, não ser rebanho. 

Conclusão, a Filosofia Prática reflete sobre a moral. A Filosofia Teórica reflete sobre os princípios básicos da Ética.

 

                        Haveria algo nos seres humanos, ainda desconhecido que resgatasse todos nós?

Tribos primitivas seguiam princípios ou apenas sua natureza para sobreviver? O que mudou, se é que mudou? Ainda somos em parte selvagens a seguir impulsos ou dominamos nossos instintos sob a forma da lei, da sociabilidade, de respeito a princípios éticos como justiça, liberdade, autonomia?

Creio que nem a inteligência artificial responderia, pois a sabedoria cabe a nós e não à programação de máquinas, especialmente aquelas que "pensam". Essa observação vai no sentido da ética e não da moral.