domingo, 18 de fevereiro de 2024

A alma russa sofre: morte de Navalny

A história de Navalny é conhecida pela coragem, pelo destemor em opor-se a Putin, todo poderoso chefe instalado no Kremlin. Os adversários são mortos, envenenamento, queda de avião, deportação para a Sibéria, em pleno círculo Ártico.

As condições são terríveis, desumanas, frio abaixo de 20 graus, dias sem fim no verão, noites sem fim no inverno. Navalny, ao ser perguntado antes de ser preso se temia pela sua vida, sabia que o risco era esse, mas que o mérito de opor-se a Putin era objetivo maior e a morte inevitável. Um herói, cujo corpo desapareceu como constatou sua mãe no necrotério.


Putin não teme a opinião mundial pois se fortalece graças, justamente, àquela parcela de ditadores, chefes de estado cruéis, que apoiam o terror, que invadem território, como se constata com a triste situação da Ucrânia vítima da política de expansão da Rússia de Putin. E que dizer da URSS de Stálin com a perseguição e morte de milhares, com a fome, a miséria e a total perda da liberdade?

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A alma russa tem um outro lado: Tchaikovsky, Rachmaninov, Nureyev, Baryshnikov, e os grandes da literatura: Tolstói e Dostoiévski. Tomemos o exemplo deste último.

Em "Crime e Castigo" (1866), o controvertido personagem, Raskólnikov, mata a velha agiota, sofre dores de consciência terríveis, e tal como o próprio autor, é preso, destino: Sibéria. Foram nove anos em que Dostoiévski ficou exilado, condenado por sua oposição ao Czar. 

Os dilemas morais perseguem tanto Dostoiévski como seus personagens, retratados muitas vezes à sua imagem. Caso das crises existenciais relatadas sem dó nem piedade em "Memórias do Subsolo":

Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem desagradável... Geme... Nesses gemidos é que se expressa o prazer do sofredor... Pode um homem consciente respeitar-se um pouco sequer?

Humilha-se e é humilhado, tenta convencer a prostituta de que deve abandonar a vida infame para, alguns dias depois, escorraçá-la quando ela aparece em sua casa.

O que é melhor, uma felicidade barata ou um sofrimento elevado? ...Um romance precisa de herói, e, no caso, foram acumulados intencionalmente todos os traços de um anti-herói... desacostumados da vida, todos capengamos... somos natimortos.

Essa é uma das facetas gloriosas e, ao mesmo tempo críticas, são como que feridas abertas da alma russa. Sofrer, ser condenado.

Navalny é um representante legítimo dessa alma, um mártir.

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