segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Vidas singulares

 Um milhão e duzentas mil pessoas vivem sem nenhum banheiro ou sanitário no Brasil, segundo IBGE, pesquisa de 2022. Para a grande maioria basta abrir uma torneira, sabonete, shampoo e pronto; descarga e pronto.

Ao norte de Juba, no Sudão do sul, há um povo, os Mundaris, com hábitos muito diferentes. Trata-se de uma tribo nilótica que cria enorme rebanho bovino. Os bois são tratados como pertences preciosos, venerados, e próximos, identificados não como apenas bens das famílias a serem negociados, eles são considerados como parte da família e da vida comunitária. Os mundaris praticam a escarificação, que são cicatrizes na testa feitas para indicar a passagem para a vida adulta. Os excrementos do gado são queimados e as cinzas usadas para esfregar o corpo. Após essa esfregação se expõem diretamente à urina do gado, e está feita a limpeza, o jato de urina. No lugar de shampoo, xixi do gado. Nojento e abominável para nós, prático e natural para eles. 

                                         


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De que somos feitos? As necessidades do corpo, os diversos e surpreendentes hábitos e costumes mostram que a universalidade do ser humano, quer dizer, todos somos vidas que se assemelham em suas necessidades, há, ao mesmo tempo particularidades, vidas singulares. Há povos e culturas que reproduzem antigas tradições, e povos e culturas que se renovam a cada geração. Do aborígene ao engravatado de Wall Street, há que morar, alimentar-se, procriar, cultuar deuses e símbolos, o sagrado pode ser tanto o gado da tribo como o mercado de ações.

Mas isso não é óbvio? Para quê tratar desse tema se antropólogos o fazem melhor e com mais fundamentos?

O que a filosofia tem para acrescentar?

Exatamente isso: o que nos une e é universal? Símbolos, signos, a linguagem. Todo ser humano se expressa por sinais, palavras, gestos, inscrições, a mente funciona por meio dessas formas de significação que, por sua vez possibilitam haver mente, pensamento.

Pode-se dizer que são os significados, as palavras, a necessidade de dar sentido às coisas, de transmitir esses sentidos, de fixá-los por algum meio de expressão, que isso é o universal, que isso é o humano. Já as particularidades são incontáveis e surpreendentes.

Somos todos leitores e fazedores de sentido, das garatujas em cavernas às teclas do computador, do grito selvagem ao discurso elaborado, do balbucio infantil à argumentação filosófica. Como se fosse uma gigantesca biblioteca em que se depositaram e se depositam símbolos e signos da cultura humana.

O ritual do banho é parte das peculiaridades, com ou sem banheiro em casa, com água ou outro líquido...

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