domingo, 12 de dezembro de 2021

A "Parêsia" e seu significado para Foucault

 No Collège de France, mas especificamente no curso de 1983, o tema de Foucault gira em torno da noção de "parêsia", o dizer verdadeiro, isto é, com convicção e séria intenção de propósito, é igualmente uma demonstração de coragem. A verdade neste caso não é a da proposição lógica, a da sentença verdadeira, a verdade que pode ser verificada. 

No caso da "parêsia" a verdade é aquela que a própria pessoa é levada a dizer, não só dizer, mas também agir de acordo com essa verdade, a da vida autêntica, a verdade ousada, aquela que a pessoa cultiva em seu íntimo, em sua vida, em seus projetos e ações. 

Foucault expõe a diferença entre o conhecer-se a si mesmo e o cuidar de si mesmo. O primeiro modo é representado pelos conselhos de Sócrates ao jovem Alcebíades, futuro governante. Sem o autoconhecimento o jovem não estaria preparado para conhecer os outros, e por isso mesmo, governá-los. O segundo modo é exposto por Platão nas Cartas, em especial na Carta VII, nos conselhos ao Jovem Dionísio, tirano de Siracusa. 

Enquanto em A República e em As Leis o bom governo se estabelece com leis justas, com uma forma ideal de governo, o governo dos sábios, do rei filósofo (ver postagem anterior), Platão mais velho, calejado com democracias que falham, oligarquias que falham, não recorre às constituições e nem à melhor forma de governar e sim a algo inusitado: o olhar para dentro de si, buscar em si mesmo o melhor caminho, ouvir o conselheiro como se ouve e se seguem os cuidados médicos. A busca da temperança, do comedimento, da transformação de seu modo de vida, de seu regime de vida seria o caminho para um bom e justo governo. 

O curioso é tentar saber por que razões Foucault extrai desses poucos e quase desconhecidos escritos de Platão, como se estivesse tirando leite de pedra, um novo conceito, uma nova concepção, ousaria dizer, ético/política. O curso de 1983 consta de longas aulas, com muita repetição, com bastante insistência nesse tema da busca da verdade em si, em seu modo de viver, no cuidado de si, no dizer-verdadeiro. Afinal, qual é a importância desse tema antigo, cujo exemplo mais notório Foucault buscou na importância dos conselhos de Platão a um governante cujo pai, Dionísio o Velho, o exilou? 

Parece que Foucault está menos interessado em decifrar um tipo de verdade pouco estudado no que toca à filosofia antiga, particularmente a Platão, e mais interessado em explorar como seria a governabilidade de si, um tipo de ética do total desvendamento da própria pessoa. Como seria esse desvelamento corajoso, de dizer a verdade que absolutamente não está ligada à comprovação empírica, que não está ligada aos meandros do inconsciente que a escuta analítica traz à tona. Essa verdade deve ser dita para chegar à transformação de si, e quando ela é exposta ao outro, dirá respeito aos seus atos, hábitos, valores. 

Seria como iluminar-se, seguir um caminho, transformar-se por meio de conselhos, nada a ver com a verdade de tipo cartesiano, do penso logo sou. Ao contrário, não é a verdade intelectualizada, é um dizer verdadeiro, o caminho aconselhável, preferível, que realiza, que proporciona bem-estar interior. A condição, entretanto, é de que a pessoa esteja aberta ao autoconhecimento, à corajosa verdade que supera o egoísmo, o achar-se sempre com a razão de uma postura autocentrada. 

Interessante como um filósofo enverada por diferentes caminhos. Essa trajetória final de Foucault acrescenta-se às trajetórias antes percorridas, como: a crítica ao saber das ciências humanas ignorantes de seu nascimento e de seu uso histórico, à constituição do sujeito em certo tipo de discurso, os de saber e os de poder, à forma como o poder se institucionaliza e é distribuído, ao surgimento de modos de governar populações, quais seriam as diferentes "normalidades". 

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Um exercício de imaginação: como seria aconselhar nosso atual Presidente em termos éticos e políticos? Impossível... 



 

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