terça-feira, 24 de agosto de 2021

A apatia

 Os valores e sentimentos de simpatia, antipatia, empatia e apatia, significam que o nosso pathos, a nossa sensibilidade, o modo como vemos, sofremos e lidamos com esse pathos, pode assumir diferentes condições e possibilidades:

Sentir com, ser aberto ao outro, franco, revelar-se, a simpatia.

Ser avesso, contra, negativo tanto para um outro como de um outro, a antipatia.

Por a si mesmo no lugar de outrem, ser capaz de entender pessoas, situações e interagir, a empatia.

A indiferença, o desânimo, a inação, a falta de iniciativa, a desobrigação quanto a valores, a apatia.

Senhores jurados, esse caso teve repercussão em toda a Rússia. No fundo, temos nós a chance de ser surpreendidos, de nos espantarmos? Não estamos habituados a todas essas coisas? Esses negócios sinistros quase não nos emocionam, que lástima! É nossa apatia, senhores, que deve horrorizar-nos, e não o caso de tal ou tal indivíduo. Qual a causa de nós reagirmos de modo tão fraco diante de fenômenos que pressagiam um futuro sombrio? Será preciso atribuir essa indiferença ao cinismo, ao esgotamento precoce da razão e da imaginação de nossa sociedade, tão jovem ainda, mas já débil; à subversão de nossos princípios morais ou à ausência total desses princípios? Eu deixo em suspenso essas questões... (Dostoievski).

Diante do júri que vai decidir o futuro de Dmitri, o parricida de Irmãos Karamozov, o promotor se indigna com a apatia, são tantos os desmandos que a indiferença e o cinismo prevalecem, mesmo com as revelações da imprensa. A época, 1879, décadas finais do século 19, está distante no tempo, mas próxima de nós no que diz respeito a valores, à violência, aos desmandos. Acredito serem tais desmandos ainda piores se pensarmos que os horrores das duas guerras mundiais, campos de concentração, terrorismo, fome, devastação da natureza seriam coisa do futuro. Mas, antes disso na própria Rússia os criminosos eram deportados para a Sibéria e a pena eram os trabalhos forçados; mais tarde os Gulags de Stálin.

O que nos afeta de perto em geral é muito mais sentido, avaliado, desperta raiva, compaixão, e tantos outros sentimentos, do que fatos brutais que ocorrem longe, e isso mesmo quando os horrores estão diante de nossos olhos, disponíveis e amplamente divulgados. 

É tanta a violência, a covardia e os extremismos que o risco é cair na apatia.

A apatia significa indiferença, nulidade de ação, aceitação, submissão, um dar de ombros e pensar, não é comigo, está longe, é com os outros, não temos muros separando fronteiras no Brasil, não temos, como se costuma pensar, terremotos, furacões, vulcões, não temos um exército de terroristas...

Estamos por isso tudo, bem?

Nem de longe, as instituições só cumprem seu papel quando instigadas, não há a atitude propositiva de enfrentamento, de esclarecimento, de atender o bem comum. Deixar pra lá, como escreve Dostoievski, não nos emocionamos mais, somos cobertos pelo cinismo, não reagimos, imaginação e razão esgotados.

A apatia é indício de que os valores morais e os princípios se apagam, e essa é uma ameaça à convivência, à participação interessada e responsável. Não é porque se tem extremos intransigentes cegados pelo poder, que não devamos e não possamos reagir. 

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