quarta-feira, 22 de julho de 2015

Foucault e a morte do homem

Em sua obra de 1966, As Palavras e as Coisas, Foucault (1926-1984) analisa o nascimento das ciências humanas. Ao invés de buscar as raízes da Sociologia, da Psicologia e da Crítica Literária em cientistas inovadores, ele inventa um novo caminho, o da arqueologia do saber ocidental.
O saber se constitui em séries, ordens, disposições como camadas arqueológicas. No século 16 o mundo dispunha de signos e se buscava suas semelhanças, as correlações, as relações mágicas e divinatórias. Não havia nenhuma possibilidade de surgir o homem como objeto de ciência. Nem mesmo na época de Descartes, em que a razão/consciência representava as coisas e as articulava por meio das ideias. Estas precisavam da gramática (orações com sujeito e predicado) para representar o mundo, os seres eram classificados em grandes quadros ou tabelas, e a riqueza avaliada por meio da moeda, o valor ficava embutido na mercadoria. 
Tampouco havia nessa ordem do saber (epistemê) um lugar para o homem. Ele surge quando, em fins do século 18 novos saberes o designam como ser vivo (pela Biologia), falante (pela Filologia) e produtor (pela Economia Política). Enfim um ser em "carne e osso", usuário da linguagem e trabalhador. O homem que surge para o saber, segue normas e tem funções, a Psicologia pode se articular; ele fala, e a linguagem requer estrutura e com ela há sentido, e a Crítica Literária usou esses dois conceitos; produzir provoca conflitos e não se faz sem regras, conceitos basilares da Sociologia.
Como as ciências humanas pretendem chegar ao que é o homem, nele mesmo, sem desconfiar que ele é constituído por estruturas, tal como a Psicanálise, a Etnologia e a Linguística exigirão, a vocação das ciências humanas não será realmente crítica. O homem que delas surge para o saber, não percebe que sua vida é finita, que a morte é inexorável, que sem a linguagem não há possibilidade de haver sentido e que a cultura humana dá as cartas, sempre. A busca de uma origem primeira e de um final redentor se frustra nos condicionamentos do inconsciente, da cultura e da linguagem.
Quem "sacou" isso? Nietzsche e Freud, e também etnólogos como Lévi-Strauss, para quem a "estrutura dissolve o homem", ele é constituído por meio de invariantes culturais comuns às diversas sociedades, tanto as antes chamadas de "primitivas", como as chamadas "sociedades com história".
Há condicionantes, não somos donos de nosso destino, e, ao mesmo tempo, agimos, vivemos, falamos, trocamos produtos e criamos artefatos. 
Nos desviamos da pergunta perturbadora e inevitável sobre nosso fim, a morte. E também de haver fala e nela podermos pensar. E mais, a carência de desejar e de o objeto que supriria essa carência, faltar.
Por isso, quando Nietzsche anunciou que o homem não necessita de Deus, que o homem é o inventor de Deus, Foucault mostrou que o inventor também morreu. Criador e criatura morreram. E no saber ocidental ainda pululam formas, estruturas, linguagem, inconsciente. Estão aí, nos constituem, mas fora e longe de nosso alcance.
Por isso o riso irônico com relação às filosofias do homem como sujeito com uma essência, com uma existência e cuja liberdade seria ilimitada. A existência não é nossa essência, pela simples razão de que não temos essência alguma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário