quinta-feira, 2 de junho de 2011

Qual é o sentido de um kit contra homofobia nas escolas?

Incrível a sucessão de equívocos tanto para produzir quanto para retirar de circulação o kit contra homofobia. Essa peça de discórdia se tornou moeda de troca, pasmem, para proteger um político que enriqueceu graças a informações privilegiadas. Beneficiou-se a quem? Quem foram os prejudicados?
Gasto público do Ministério da Educação, aliás de quanto?
E isso para veicular material supostamente didático com o objetivo de ensinar que adolescentes e jovens não devem ter preconceito contra opções sexuais deles próprios. Essas opções já existem mesmo? Será que vídeos dúbios e de mau gosto servem? Será que esses jovens já compreendem algo sobre sua própria sexualidade? 
E tudo isso visa produzir mudança de atitude e de valores, mostrar aos jovens que há outros tipos de amor, que o comportamento e as atitudes de alguns de seus colegas, meninos e meninas, deveriam ser tolerados e aceitos. 
Evidente que todos viveríamos melhor em uma cultura de liberdade e de tolerância, isso é certo. O propósito de se evitar violência é louvável e justificável.
O problema são os meios para atingir esse propósito.
E nesses meios vem embutido um grande equívoco, o conceito de normalidade. Atitudes de amor e desejo chamadas de homossexuais (e mesmo bissexuais) devem ser vistas como normais, esse é o recado implícito. Ora, o conceito de normalidade foi uma invenção das sociedades disciplinares que usam exames (médicos, psicológicos, pedagógicos, morais) para enquadrar, medir, punir, endireitar comportamentos e adaptá-los. Desse modo se obtêm efeitos prolongados em cada indivíduo de respostas prontas às solicitações do trabalho, da escola, de uma terapia, de uma punição penal. Enfim, normal é um conceito útil em todas as práticas que requerem obediência não tanto a regras, mas a normas de conduta. 
Falta uma visão um pouco mais ampla, portanto, ao se propor que comportamentos e atitudes que fogem ao normal são normais...
Repito: toda violência é prejudicial e inaceitável, ainda mais se for alimentada pelo ódio e pela raiva gratuitos. Lembram do índio que foi queimado vivo? Quando se soube que era um índio, a gritaria foi mais alta. Entram aí os valores de inocência e bondade natural.
Quando o alvo da violência é alguém que foge ao padrão aceito e que é classificado como normal, e, por alguns como natural, são excitados sentimentos mais básicos ainda do com que a violência contra índios, velhos e crianças.
Para que não aflorem esses sentimentos, pois eles incomodam, já se apelou para:  "é contra a natureza",  "aberração", "anormalidade", "doença", "é genético". São os discursos moralizantes, médico-psiquiátricos, biológicos que têm servido de biombo para excluir, marcar, proibir, censurar.
Mas, para que classificar, para que diagnosticar, para que normalizar modos de viver, de sentir prazer, de amar? É que investigar o comportamento, examinar o desejo, classificar tipos psicológicos leva a discussão para o terreno calmo, neutro e objetivo da ciência (claro que não há esse território). 
Sai a violência física contra as crianças, por exemplo, a cruzada contra a mastubação infantil (vejam o filme "A fita branca") e entram os psiquiatras com as doenças mentais, entra o divã psicanalítico, entra o psicólogo nas escolas. Pretensão: decifrar o que nós humanos somos e sentimos, como desejamos, como amamos.
A luta deveria ser contra essas pretensões, e isso os gays não viram, caíram na armadilha do correto, do normal e do aceitável. Alguns poucos entenderam que, ao criar uma cultura e um modo de viver alternativos, fazem mais pela causa do que lutando por legislação e adotando esse conceito psiquiátrico, "homofobia". 
O que fazer?
Cultivar nas crianças e nos jovens valores e sentimentos que os façam refletir: isso é legal? Eu gostaria que fizessem isso comigo, com meu irmão ou irmã? Dar exemplos de atitudes corajosas e covardes, que merecem o elogio e o incentivo, ou que precisam ser criticadas. Generosidade, honestidade e capacidade de empatia podem evitar a violência do preconceito, seja ele qual for. Exemplo: o professor passa o filme sobre a vida de Oscar Wilde, escritor que foi preso por ser gay, e depois discute com a turma valores e atitudes.
Criar leis para punir homofobia é tão rídículo quanto inútil. Já há suficiente proteção legal contra a violência física e moral em nossos códigos.
A pergunta que não quer calar: se não fosse a blindagem a Palocci o kit seria distribuído? Lastimável sermos governados por vermes...
PS:
Este post é uma homenagem a Foucault e a Jarbas Schüneman.

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