sexta-feira, 15 de abril de 2011

sobre a noção de sujeito

Todos nós, seres humanos, temos consciência de nós mesmos, sabemos que podemos escolher, imaginar, falar, lembrar, raciocinar, exceto no sono, ou em alguns estados excepcionais (sob efeito de uma droga, por exemplo).
Essas atividades conscientes de uma pessoa, foram eleitas por muitos filósofos desde os gregos até os modernos, como pertencentes ao sujeito. "Conhece-te a ti mesmo", foi, talvez, a primeira tentativa de pôr o sujeito no centro do conhecimento, da ética, e do valor da pessoa humana. Nesse preceito do oráculo, Sócrates via a missão por excelência do filósofo, o autoconhecimento como salvo conduto para desempenhar as funções de cidadão na polis.
Mas ainda não era do "eu", da interioridade, da biografia pessoal que se tratava. Santo Agostinho (354-430), diferentemente da filosofia antiga, escreve e medita sobre sua vida, o que fazer, como fazer, e para tal examina-se e se arrepende de seus erros. A existência de si como sujeito é evidente, pois, mesmo se ele pudesse se enganar, há alguém que se engana, cuja existência é incontestável.
O ponto de partida de Descartes foi o sujeito: "eu penso", pensando, existo, essa certeza fundamenta todo tipo de conhecimento.
Partir do eu, do sujeito que existe e existe como ser pensante, foi a alavanca das filosofias da consciência
O problema dessas filosofias é o beco sem saída, chamado em filosofia de aporia (verdade calcada naquilo que pretende provar, um círculo vicioso) em que elas se enredam: para ter certeza de sua própria subjetividade, é preciso pressupor que o sujeito se conheça, e para isso, o sujeito se põe como objeto para ele mesmo. Ora, como objeto, deixa de ser sujeito.
Foucault em As Palavras e as Coisas (1966), analisa a virada da soberania do sujeito das filosofias da consciência, para a nova formação de saber (século 18), que leva em conta as circunstâncias que constituem o sujeito, como a linguagem, os produtos do trabalho e a vida; além desses fatores que não podemos modificar pela magia da consciência, há o inconsciente e as diversas culturas que nos moldam. Em  A história da sexualidade - A vontade de saber (1976) Foucault vê no dito socrático o primeiro passo para repartir entre o autoconhecimento e o oposto, simplesmente viver com prazer, cuidar de si. A lição socrática aos poucos se transformou em necessidade de examinar sua consciência, seus desejos, o mais fundo do eu, e aprisioná-lo pela vontade de saber. Por que esta vontade não é libertadora? Porque ela pressupõe um centro, um comando ao qual de bom grado nos submetemos. Analisa-se tudo: desejos, amor, sexo, a decifração de si. Entrega-se ao especialista, a algum tipo de ciência a tarefa de revirar nosso interior, cria-se um "eu sou um sujeito que deseja".
Dotar o sujeito da capacidade que ele exclusivamente tem de conhecer, de representar o real como fazem as filosofias da consciência, foi um passo para a "invenção da mente" como pura capacidade de um sujeito, privadamente, conhecer o real. A consciência seria o facho de luz sem o qual não há acesso aos objetos. 
Se fosse assim, não precisaríamos da linguagem, da percepção, das distinções entre forma e conteúdo (figura pato/lebre da postagem anterior), da compreensão de significados, das interpretações, do aprendizado, da inteligência, da sensibilidade.
Como se vê, é possível dispensar o "eu penso", o sujeito soberano, a mente como substrato das ideias. E ficamos com pessoas, sua liberdade, sua dignidade, suas capacidades.

2 comentários:

  1. “Como se vê, é possível dispensar o "eu penso", o sujeito soberano, a mente pensante. E ficamos com pessoas, sua liberdade, sua dignidade, suas capacidades”

    (Seria o caso, agora, de perguntar o que é o homem, não? Depois Inês, “liberdade” e “dignidade” não é algo puramente da esfera do sujeito apenas. Neste caso me parece que você cai individualismo barato da sociedade capitalista presente, composta de não-homens, no sentido subjetivo do termo, composta de idiotas no sentido grego do termo. Afinal, o que significa “dignidade”?


    Acho que não - Inês – ao “dispensar” o “eu penso”, que poderíamos aqui chamar de individuo singular ou de o eu, neste caso é preciso não cair no erro de Descartes, a saber, do “eu penso” como fundamento ultimo.


    Penso que, na verdade, estas “pessoas” com “sua liberdade, sua dignidade, suas capacidades” que você faz menção é resultante do racionalismo que nada guarda da filosofia da consciência, do eu sensível, mediador (“Se fosse assim, não precisaríamos da linguagem, da percepção, das distinções entre forma e conteúdo (....), da compreensão de significados, das interpretações, do aprendizado, da inteligência, da sensibilidade” – é bem provável que não tenha compreendido seu texto).


    Por outro lado, como introduzir Kant nesta discussão? Às vezes penso que ele deita por terra muito desta discussão sob o racionalismo e sensibilidade – o que acha?

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  2. Justamente, Gentil, livres da noção de consciência ou mente pensante como substrato ou essência comum a todos os homens, a filosofia passou a considerar outros aspectos, históricos, culturais, sociais que nos constituem.
    Quanto a Kant, sim, não faz sentido fundar o conhecimento ou na sensibilidade ou na racionalidade, pois sem os dados dos sentidos, se perde o mundo, sem as formas do entendimento, é o mundo que fica inatingível.

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