domingo, 28 de fevereiro de 2010

Sobre a dor, o sofrimento e a humilhação

Existem no Haiti milhares de crianças entre 4 anos até a adolescência que são escravizadas. São chamadas de "Restaveks", termo que vem do francês e significa "ficar com". Elas fazem trabalhos domésticos pesados, sua marce é estarem sempre descalças; recebem castigo físico, muitas vezes são abusadas sexualmente. São escravos em plena era moderna, no país mais pobre do hemisfério ocidental.
Jean Robert Cadet passou por isso há quarenta anos atrás e tem agora uma Fundação (Restavek Foundation) para denunciar esses abusos, essa dor, essa humilhação, esse sofrimento.
Como entender a dor e o sofrimento?
Há a dor física, cada vez menos tolerável e tolerada nos países de média condição econômica e menos ainda nos países mais ricos. Ela é anestesiada por medicamento. Esse tipo de dor sequer é aceitável.
Há a dor emocional, a maior delas a da perda, a da morte de alguém próximo, querido. Abre-se uma brecha, um vácuo, o de não estar mais aqui, o de não ser mais, aquilo que os filósofos chamam de "nada" e que para o poeta é o "nunca mais". O tempo cessa com a morte. Essa dor não tem cura, ela se atenua aos poucos.
O sofrimento é também algo que as pessoas não aceitam apesar de ele fazer parte do ser humano. Hoje se quer prazer, é praticamente obrigatório ser feliz, curtir a vida. Ora, sofrer é inevitável e aceitar isso depende de reflexão sobre nossa condição. E nossa condição é sermos movidos pela vontade que exige sempre mais. Como é difícil satisfazer-se com pouco, com o que realmente é vital e necessário, o desejo é estimulado de todos os lados, mas nunca totalmente preenchido.
É que, como mostraram os filósofos estóicos, tanto a falta como o excesso causam dor. Comer demais ou de menos, por exemplo. Moderação, tranquilidade de espírito, altruísmo são a receita dos estóicos para viver bem. Diz Marco Aurélio (121 d. C.- 180 d. C.), o imperador/filósofo: "Não diga: 'infeliz de mim porque tal coisa me aconteceu', e sim, 'feliz de mim, porque tendo-me isso acontecido, continuo a salvo do sofrimento, sem que me fira o presente nem que me atemorize o futuro' ".
E Schopenhauer (1788-1860) explica que, tendo o homem vontade, ele sofre. "Se todos os desejos, apenas originados, já estivessem resolvidos, diz ele, o que preencheria a vida humana? Que se transfira o homem para um país utópico, em que tudo crescesse sem ser plantado, as pombas voassem já assadas, e cada um encontrasse logo e sem difuculdade sua bem-amada. Ali em parte os homens morrerão de tédio ou se enforcarão, em parte promoverão guerras, massacres e assassinatos, para assim se proporcionar mais sofrimento do que o posto pela natureza."

3 comentários:

  1. Professora Inês,
    é dicífil para uma sociedade como a nossa, que busca a supressão de todo e qualquer sofrimento, compreender essa dimensão do sofrer. Não do sofrer por sofrer, mas daquele que impulsiona a existência. Embora isso soe meio paradoxal.
    Texto excelente!
    Ah, mandei e-mail's aos meus ex-colegas da universidade informando de seu blog.

    Um grande abraço!

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  2. Oi, Isaac.
    Tem razão, nossa sociedade é mto hedonista!
    Obrigada pela divulgação.
    Inês

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  3. Professora,

    Esse não é um enfoque da vida que mereça, uma vez ou outra, dois minutinhos de reflexão. A vida é isso.
    Maravilhoso! Obrigado pelo texto! Chega a ser uma lição para espiritualistas e ateus. Portanto, uma grande verdade!

    Anchieta.

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