quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Injuriar e blasfemar no sentido religioso.

A Síria está livre de um ditador sanguinário. Estará livre da ortodoxia religiosa?

Religião significa atar com o mais alto, ligar, religar. Entretanto, há milênios a crença religiosa obriga, impõe, castiga, queima na fogueira, condena ao fogo eterno, estipula o que vestir, o que dizer, o que pensar. Pecados devem ser confessados, e muito mais radical, caluniar, injuriar e blasfemar merecem castigo, punição, prisão para certas seitas e linhas da ortodoxia em países controlados por chefes que governam e impõem crença, a exemplo do Irã e de países árabes. A religião nesses casos de extremismo, sai do círculo de crenças e dogmas, e entra no terreno político. Poder político e poder religioso se mesclam em uma combinação fatal para todos os chamados infiéis. Infiel é todo aquele que não professa o mesmo credo. 

O que é blasfemar? Podem ser apenas comentários veiculados na imprensa, ou mesmo em conversas para que sejam considerados blasfêmias, ofensas graves ao líder espiritual, aos preceitos, às regras, tudo o que pode ir contra a visão daquela crença, daquela seita. Obrigar ao uso do véu para as mulheres, impedir que meninas vão à escola, relegar a mulher a ser pecaminoso, caluniar, injuriar profetas e líderes pode levar a perseguição e condenação. 

Essa rigidez, essa violência, essa violação à liberdade de crença e de pensamento, conduz à barbárie, ao medo, à perseguição, à prisão, à tortura e mesmo à morte. 

Ora, a religião é produto humano, proveio da história dos homens desde o totemismo primitivo, o culto aos deuses e mitos na Grécia antiga, até o radicalismo atual. Ou como entende Schopenhauer, "o espírito humano não contente com as preocupações, ansiedades e cuidados que lhe são impostos pelo mundo real, criou ainda para si um mundo imaginário na figura de milhares de superstições (...). Demônios, deuses e santos são criados pelos homens segundo sua própria imagem e semelhança. A eles são oferecidos incessantemente sacrifícios, preces, decorações de templos, promessas e seu cumprimento, peregrinações, homenagens, adornos, etc." (O mundo como vontade e representação, p. 415). 

Como essa é uma análise filosófica, seu efeito se limita à própria reflexão filosófica, infelizmente. A realidade mostra que há um tipo de poder avassalador que arrebanha e arregimenta milhões de fiéis motivados e inspirados por crença. Para algumas dessas crenças isto se faz com medidas severas, com doutrinação, com obrigações, com castigo e perseguição. Em contrapartida, há outras crenças para as quais a religião representa opção de vida com adesão que não requer doutrinamento e nem punição. Basta-lhes a fé interior, a abertura da alma, a espiritualidade que respira e inspira. Ninguém é castigado por blasfêmia, os cultos e o livro sagrado se abrem para encontros, para caminhos de respeito. São religiões que não obrigam à exteriorização em véus, trajes, perucas, saias, até meias. 

Nas religiões radicais é preciso se submeter a vestes fechadas da cabeça aos pés como no islamismo, a perucas no judaísmo ultra ortodoxo; as crianças são obrigadas a decorar o Corão nas Madrassas, assim chamadas escolas de doutrinação em países como o Paquistão e Afeganistão, este novamente dominado pelo Talibã que proíbe a educação de meninas! 



Proibidas de frequentar escolas, as meninas são obrigadas a decorar o Corão

A quantidade de seitas e ramificações de um mesmo credo que se odeiam, que se perseguem em que uma pretende ser a única aceita, verdadeira, sunitas contra xiitas, mostra o absurdo e a contradição interna que as opõem mutuamente por divergirem em detalhes. Quem profetizou, o que profetizou. Pentecostais apregoam que o fim do mundo está próximo, a raça humana será varrida da face da Terra. Profecias, crença por meio de doutrinação, condenação por calunia e injúria não deveriam prevalecer sobre aquele sentido mais profundo, a fé mais sincera e benfazeja, aquela que pode beneficiar e agregar, aquela em que a ajuda humanitária importa mais do que a obrigação às regras estritas. 

Em lugar de calúnia, caridade; em lugar de blasfêmia, compreensão; em lugar de castigo, perdão; em lugar de pecado, concórdia; em lugar de condenação, redenção.

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PS: tendo concluído três pesquisas a que me propusera após encerrar a vida acadêmica, o olhar se voltou para a obra de Schopenhauer citada nesta postagem, tradução de Jair Barboza, um legado para a filosofia e seus estudiosos

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