sábado, 28 de dezembro de 2024

Exercício de ideias

O corpo exercitado e saudável se tornou lema de grande parte da população que pratica algum tipo de exercício leve ou pesado, com frequência ou esporadicamente.

Que tal experimentar outro tipo de exercício, o exercício de ideias, ideias em movimento, sacudidas, arejadas, confrontadas, postas à prova?

Em geral as noções, os conceitos, o modo de pensar são acomodados na mente em certos lugares dos quais nunca são removidos, nem repensados, prendem as pessoas como se fossem armadilhas. Elas ficam fechadas para o contraditório, ideias e noções adotadas ao longo da existência, são alocadas e empregadas sempre do mesmo modo, acumulam poeira, teias de aranha, ainda assim representam o tipo de pensamento, o modo de entender acontecimentos, são repetidas à exaustão pela pessoa, pelo seu grupo, pelos seus adeptos. Não lhes ocorre experimentar algo novo nem confrontar sua visão de mundo. O outro lado fica sempre oculto, como se não existissem outras perspectivas. Quando sua postura é ameaçada de ser exposta, fecha-se para retornar ao estado de autossatisfação e acomodamento junto às suas certezas absolutas. Certezas que são proclamadas repetidas vezes, metodicamente, se enraízam e se fecham para outras vozes.

Essa dieta unilateral e pobre tem sido o alimento de dois lados opostos no cenário político no Brasil e nos EUA, para citar os casos mais próximos. Os adeptos do atual presidente vestiram a roupagem de salvadores da democracia. Os adeptos do ex-presidente se creem salvadores da moral e da ordem. São duas posturas incomunicáveis, um fosso entre elas é criado pelo radicalismo que barra questionamento, que impede de indagar sobre as bases de seus posicionamentos e assim desmontar ambas as narrativas com argumentos. Esse radicalismo produz uma animosidade que beira o ódio mútuo. Além de serem posturas fechadas, são néscias, tacanhas.

Ora não há um só caminho justo e verdadeiro, é preciso urgentemente considerar uma dieta reflexiva, uma aeróbica de ideias, arejar o modo de pensar e de ser, questionar atitudes e decisões, fundamentar posições e conceitos, interrogar ao invés de engolir palavras de ordem. A acusação tanto de um lado como do outro de que são "narrativas" se autodestrói, narrativas têm que ser criticadas de fora, como disse acima, com argumentos. 

Os dois extremos acabam com a confiança, como confiar se há duas posições opostas que se alimentam reciprocamente? Acrescente-se a isso decisões supremas, questionáveis e que acabam por aguçar o estado atual do radicalismo, cujos frutos são amargos, azedos, indigestos. Por detrás há um culto à personalidade de ambos os chefes, à esquerda e à direita, esquecem que os ídolos têm pés de barro.

Os caminhos nas democracias representativas não são de mão única. E nem há um só caminho que seria o "certo".  Caminhos se bifurcam, ora se aproximam, ora se afastam, mas serão vias confiáveis se conduzirem o país e seus cidadãos à representatividade, à segurança, à abertura de posições. As vozes devem e podem ser múltiplas e diversas, desde que, como apontou Habermas*, recobertas pelo manto da razão, pela unidade da razão. Alguma luz é possível.



A linguagem comunicativa é capaz de coordenar a ação.


*Filósofo alemão, com 95 anos, propõe o diálogo entre os diferentes coordenado por argumentos sujeitos à prova, ao contraditório. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário