A famosa frase de Rousseau, "o homem nasce livre, mas em toda parte se encontra a ferros", diz respeito à sociedade, suas regras, suas leis e seu cumprimento, e também à submissão a um poder tirânico, guerras, morticínio.
Seria interessante levar essa consideração para o terreno da ética. Somos livres, temos livre arbítrio, capacidade de decisão, nos consideramos acima do reino animal justamente devido à capacidade de escolha e autonomia. Ao mesmo tempo somos obrigados a obedecer às regras e princípios éticos. Como entender essa relação entre ser livre e, ao mesmo tempo não ser livre quando se trata de fazer o bem, cumprir obrigações, considerar o outro como seu semelhante? Se não há obrigações e deveres, passa-se por cima dos outros, ironiza-se quem é "bonzinho", como entender esse dilema, esse paradoxo?
O comportamento pessoal e aqui excluo o lado social e político, geralmente é o da indiferença, agir às escondidas ("ninguém está vendo"), ou apenas se e quando há proibição explícita, pelo medo da punição. O medo de ser descoberto, de ser ver ameaçado, esses são em geral os empecilhos, a que podemos chamar de ferros morais, ser instado e agir sob algum tipo de comando. Mas, isso não seria contradizer a ética?
Em outras palavras, como seria a vida ética livre, autônoma, como viver eticamente sem que isso seja uma obrigação?
Cultivar o caráter, caráter implica em ser firme, as decisões são tomadas com responsabilidade, a forte constituição pessoal como fruto da educação e dos próprios esforços. A livre tomada de decisões, a liberdade de escolha, seguir princípios, nunca decorre de obrigação, imposição ou ameaça.
Nesse caminho ético é preciso esforço que não tem como finalidade prêmio, aplauso, porque não é barganhado. Albert Camus deu sua versão para o mito de Sísifo, que desafiou os deuses, e estes o condenaram a erguer uma pedra até o alto da montanha, repetidamente. Tarefa sem sentido, castigo que não cessa. Na versão de Camus, mesmo condenados à tarefa fatigante e sem fim, podemos "enganar" os deuses e nos dedicarmos à labuta, cientes de que somos sujeitos a ela, porém não sujeitados, que a aceitamos sem pesar, que subimos e descemos montanhas com fardos pesados.
No fim, o que importa são os juízos que fazemos sobre nós mesmos. Exigir demais, cansa, sucumbimos; se relaxados e fracos, advém a insatisfação. Melhor o caminho do meio, nem enaltecimento, nem desprezo. O esforço ético, o esforço do caráter não precisa nem de céu para bem aventurados e nem de inferno para condenados.