Para concluir esse passeio pela obra de Freud, "Mal-Estar na Civilização", (Kultur) ou na "Cultura" , como se traduziu para o português, a visão do psicanalista é pessimista. Houve evolução no domínio da natureza, mais belos parques, asseio, ordem, criações do espírito humano. Mas, a justiça e o direito sacrificam os indivíduos em nome do todo. Os instintos e as pulsões são sublimados nas atividades mais elevadas, ciência, arte, ideologia, quer dizer, a civilização cobra o preço da renúncia aos prazeres, reprime, sublima e recalca.
Evoluímos desde as sociedades primitivas, cabe ao homem o trabalho, à mulher cuidar das crianças, a satisfação com o amor genital, que se tornou central, levou a uma concepção ética de amor universal e sendo universal é injusto por não permitir escolha e, além disso nem todos os seres humanos são dignos de serem amados. A família conjugal restringe o amor e a vida sexual, e cada vez mais a esfera cultural se impõe com tabus, leis e costumes. Restrições impostas pela civilização que legitimam o amor heterossexual em prejuízo do prazer. Amor ao próximo? O próximo muitas vezes não é digno de amor, mas de hostilidade, sem o mínio de afeição e consideração. O instinto de agressividade leva a "infligir sofrimento ao outro, martirizar e matar". No ano em que Freud afirmou isso, o mundo já conhecera o morticínio da 1a. Guerra Mundial. O postulado comunista de que a fonte de todo mal reside na propriedade privada, e de que o trabalho seria plenamente satisfatório, parece a ele "uma ilusão sem nenhuma consistência".
A grande fome na URSS (Holodomor)
E mais, intolerância, antissemitismo, a realização do sonho germânico de supremacia mundial, o comunismo soviético e seu pressuposto de eliminar a burguesia, todos esses pesados sacrifícios mostram que a civilização não nos torna melhores nem mais felizes. Quanto às sociedades de massa, elas nos beneficiam ou ameaçam?
O princípio de prazer conserva o eu que vence com alto custo, o da luta do narcisismo contra a libido dirigida ao objeto. A pulsão agressiva pode se voltar contra o eu, masoquismo, ou sadismo que é a destruição do outro. Bondade divina juntamente com a ameaça do mal.
O entrave mais poderoso da civilização é o instinto primitivo de agressividade. Eros reuniu indivíduos, tribos, nações, a própria humanidade, "mas a pulsão agressiva natural aos homens, a hostilidade de um contra todos e de todos contra um, se opõem a este programa da civilização".
As exigências morais, a angústia, a autopunição, essa espécie de autoridade interior da consciência leva ao sentimento de culpa. O Eu infantil submetido à agressão do Pai, a criança se vinga dessa agressividade, nascem a consciência e forma-se o Super Ego.
Quanto mais civilização, maior o sentimento de culpa e a perda da felicidade. O indivíduo busca realizações, mas a sociedade o restringe. O Super Ego individual, se defronta com o Super Ego da civilização com seus ideais e obrigações, essas exigências resultam em neuroses. Revolucionários ou conformistas, ambos pretendem sustentar suas ilusões.
Freud afirma que não é profeta e nem consolador. Se ele pretendesse a um ou a outro desses papéis, estaria se contradizendo. Do ponto de vista psicanalítico, não há escapatória: Eros imortal em luta contra seu adversário, também ele imortal.
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Nessa luta de gigantes, vamos nos "virando", por assim dizer.
PS: outros gênios da arte, da ciência, da filosofia interpretam nossa trajetória de forma diferente. Há que dar lugar em nossa "estante" para eles também...
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