sábado, 2 de novembro de 2024

"A felicidade não se compra" - ditado popular.

O ditado acima pode também ser interpretado como, "o dinheiro não traz felicidade". Ambos os ditados saíram de moda. 

No mundo corporativo pode-se entender felicidade como algo que pode ser posto no balcão de negócios. Há até mesmo congresso de felicidade, com palestrantes de amplo alcance, benzedeira/rezadeira; curandeiro; comunicadores; psicanalistas; professor de música; profissionais de clínica mental. Impressiona o leque de especialistas capazes de aconselhar e atender a expectativa do vasto público presente. A intenção evidente é obter resultados, resultados que contrariam o ditado popular de que dinheiro não traz felicidade. Não que a falta dele de algum modo tivesse o efeito contrário. Pobreza não é infelicidade, pobreza é sofrimento, desgraça. 

Felicidade no mundo dos negócios é felicidade corporativa. Essa felicidade é vista como impulsionadora de cultura e de resultados, como se lê no chamamento de palestrante financiado pela Heineken do Brasil. 

Que tipo de felicidade, então, o dinheiro, ou melhor, os investimentos produtivos impulsionam? Os negócios. Mesmo porque, sem patrocínio, seria inviável convidar tantos palestrantes.

Isto posto, sem pretender de forma alguma que iniciativas como esta, de um congresso de felicidade, não devam ou não precisem ser patrocinadas. Uma coisa leva à outra. Não se está aqui criticando o capitalismo como selvagem, ceifador, destruidor, malévolo. Em termos de economia, emprego, bem-estar, ao mesmo tempo, luta por trabalho digno e sobrevivência, age o mercado que segue demandas e, é até certo ponto controlável por governos sérios e responsáveis.

Tudo muda quando se olha por outro prisma, simplesmente a vida das pessoas, seus valores e sentimentos, projetos e necessidades.  

Quem sai para trabalhar ainda de madrugada, de ônibus, muitas vezes lotados, trabalha oito horas e volta cansado/a, dinheiro é apenas questão de sobrevivência.

Para a maioria dos filósofos, a busca da felicidade é uma farsa, um engano, uma ilusão. A vida não conduz à supressão dos desejos, e nem permite suprimir os impulsos, impossível anular os anseios e a vontade, vontade disso ou daquilo. O não ter algo, o não ser algo que se quis, que se quer ou que se desejaria ser ou ter. Impulsos nos movem, os motivos ficam trancafiados em caixas, por vezes são tantos e tão díspares que é preciso um container. Nossos sótãos e porões se enchem com dúvidas, incertezas, surpresas, realizações e frustrações que são acomodadas nos espaços apertados desses sótãos e porões.

Para trazer tudo isso à tona, para evidenciar que não poderia ser de outro modo, que é preciso aceitar isso ou aquilo, sofre-se verdadeiros abalos emocionais. Paixões, medos, desejos nos curvam. Sucumbir ou superar, negar ou aceitar, absorver e saber lidar, são percursos que aliviam. Mas não trazem felicidade.

Como entender que alguém levante e se arrume para o serviço, tome um ônibus, cochile ao lado do colega de trabalho, no caminho seja atingido por um tiro na cabeça?

Os filósofos que pensam a existência humana como luta e sofrimento, chamados de pessimistas, olhariam para o crime organizado, para Gaza, para a Ucrânia, para ruas com carros amontoados em meio a um lamaçal, diriam ironicamente, cadê a tal felicidade?