quinta-feira, 10 de agosto de 2023

O ideal e o real

 Temos uma noção bem simples do que sejam o ideal e o real. Ideal é supostamente o melhor, o que gostaríamos de obter, o que projetamos como modelo, alcançável ou não. Real é tudo o que pertence à nossa lida cotidiana, palpável, que exige certa reação, impossível ficar indiferente.

Vejamos pelo prisma filosófico. Ideal para Platão é, verdadeiramente, a própria realidade, o real decorre do ideal. Como é possível?! A realidade com a qual nos deparamos é instável, mutável, aquilo que agora é, no minuto seguinte pode não ser mais. Para que possamos entender algo, para que possamos nos certificar de algo, é preciso que haja um modelo, uma ideia que não mude. A verdadeira realidade é ideal, a ideia de cada coisa permanece, é perfeita, não tem brechas, não é instável, pois se tivesse brechas e fosse instável seria impossível pensar, apreender as coisas em sua essência. Este nosso mundo é feito de cópias a partir de um modelo ideal, metafísico, essencial. Exemplo: não podemos conceber certo cavalo sem a ideia de cavalo.

Chamamos esse modo de conceber de "idealista". Interessante que a concepção de ideal, de eterno e de perfeito se encontra em nossas visões de mundo, na concepção de um além, de um mundo transcendente, espiritual, ao mesmo tempo desejável e temível.

A partir do século 19, e mesmo antes com Kant, houve uma revolução no pensamento filosófico. O verdadeiro não é mais o ideal e sim o real, o real que habita nossas cabeças, a razão pensante, não podemos ir além daquilo que nossa razão com seus conceitos nos permite conceber. O ponto de partida para acesso ao real é situar tudo em um tempo e em um espaço. O céu ideal de Platão desabou, se transformou em conceitos, em noções, em valores, em medidas.


Instrumentos de medida, perfeitos, exatos, utilizáveis.

E esses conceitos, noções e valores são nossos, completa Nietzsche, invenções. Nós somos os inventores das ideias, inclusive as de bem e de mal. 

Wittgenstein considerou que os ideais de exatidão da lógica e da matemática seriam nucleares, fórmulas e conceitos que possibilitariam espelhar a realidade, trazê-la para a forma inteligível de uma sentença. Mas, esse ideal de exatidão, que preside a todo pensamento inteligível, onde ele habita? Em nossas próprias formas de vida. Quando pensamos em algo exato, ideal, não precisamos de um mundo perfeito, além no nosso.

Pelo contrário, o ideal pertence ao nosso cotidiano, tem diversos usos. Há para Wittgenstein diversos tipos de exatidão. Pense em uma régua, ela é exata, tem um tipo de aplicação que é diferente da medida em jardas. Ambas são perfeitas, foram concebidas para tomar medidas. E cumprem essa função. 

Conclusão: nós humanos somos construtores, damos sentido às nossas vidas, e por vezes consideramos que esse sentido seja ideal, inalcançável. Outras vezes entendemos e acedemos às nossas necessidades bem concretas, bem reais, ora fáceis, ora difíceis de realizar. 

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