segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

O dia em que Foucault virou anedota

 Acredito que a postagem pra lá de imbecil tenha sido vista e compartilhada por muitos. Nela os "patriotas" são advertidos de que Foucault iria ser o "mentor" de Flavio Dino, presidiários seriam soltos, e todos ficariam à mercê da bandidagem, entre outras atrocidades mentais, mas todas elas com aquele tom de tragédia, de que a família seria destruída, típico dos tempos obscuros que nosso país atravessa e que ficaram patentes nas invasões e depredações do dia 08 de janeiro.

Por que razões escolher Foucault? O malandro, mal intencionado sabia a quem se dirigir, a quem amedrontar, a quem retaliar? Ou queria ridicularizar?

E por que escolher Foucault, morto em 1984? Deveria ter ouvido falar que Foucault era alguém que pregava o fim das prisões, dos quartéis, das escolas, das fábricas e dos hospitais. Ouviu falar e classificou como de esquerda, "abominável" a escolha de Foucault, sim esse foi o termo escolhido, e me lembrei imediatamente das histórias publicadas nas revistas de minha infância, O Cruzeiro e Manchete sobre o "abominável homem das neves", de cujos vestígios se teriam inclusive fotografias. Naquele tempo ingênuo as fotos em revistas e os jornais cinematográficos eram as únicas notícias via imagem.

Hoje se fala de tudo, de todos, se prevarica, se insulta, se mente, se fantasia e se transforma a realidade em feixes, em mensagens, em tweets, em postagens, em fotos maquiadas, em selfies e naquele tipo de postagem assustadora.

Foucault foi um filósofo polêmico, com vida e obra divulgada dentro e fora da academia, e muito, muito distorcido. Quem o lê e estudou não encontra facilidade, os escritos são diversos, os temas inabituais, difíceis de entender. Ele próprio não se esquivou em inúmeras entrevistas de se explicar, muitas vezes em vão. 

Foi marxista? Não. 

Mostrou transformações históricas que redundaram na forma prisão de punir? Sim. De enquadrar? Sim.

Era favorável ao fim das prisões, escolas, hospitais (em especial manicômios), quartéis e fábricas?

Evidente que não! A sociedade moderna os "inventou" em contextos precisos, eles foram e são necessários ao nosso modo de governar, de gerir populações e da produção econômica, de educar, de curar.

Então, qual é o problema, por que a polêmica em torno a algumas de suas obras?

O incômodo que causam, o pôr o dedo em nossas feridas, em mostrar que no seu modo de funcionar muitas instituições carregam consequências. Em geral elas são postas para debaixo do tapete e seguimos em frente. Há filósofos que, como Foucault, pedem que as enxerguemos e, talvez, algumas lutas e reivindicações sejam feitas para melhorar, para modificar, para extrair benefícios às nossas vidas.

Em tempos sombrios, nada disso é feito. Pelo contrário, a aposta é em "quanto pior, melhor".

Tempos em que precisamos combater os imbecis. Eles podem ser violentos, como foi constatado. E não desistem...

Nenhum comentário:

Postar um comentário