quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A coragem moral

A coragem física é muito mais enaltecida em nossa cultura atual do que a coragem moral. Por  todo lado e em toda parte há alguém "enfrentando desafios", subir montanhas, maratonas, atravessar desertos, até mesmo cruzar a Antártica no inverno. É o que fará a equipe chefiada por Sir Ranulph Fiennes, 68 anos, durante seis meses, no escuro, com temperatura de até 90 graus abaixo de zero ao custo de 6 milhões de libras.
Claro que este senhor precisará de muita força de vontade. Mas pode-se dizer que essa empreitada inédita é movida também por coragem moral?
Creio que não. A coragem moral requer outro tipo de sacrifício.
A decisão de Bento XVI de renunciar ao papado, é um exemplo único e grandioso de coragem moral. Saber que outro papa renunciou há 600 anos não conta, não quer dizer nada. Outros tempos e outros costumes.
A Igreja Católica não via nada parecido e tampouco contava ou esperaria que um papa renunciasse ao encargo máximo, e mesmo divino (para os católicos o papa é o representante de Deus na terra). O que impressionava nas aulas de religião era nos ensinarem que ele era mesmo infalível (o dogma da infalibilidade papal se refere às questões de fé).
O peso enorme de ser representante divino infalível bastava para que ninguém supusesse que um papa deixaria o comando do Vaticano e dos católicos. Bento XVI surpreendeu.
Reconhecer que lhe faltavam forças deve ter sido difícil. Dar o passo seguinte, o da renúncia, era muito mais grave, até mesmo arriscado. 
A virtude da coragem moral é aquela que conduz pessoas excepcionais a abrirem um caminho, a serem exemplo, a tomarem atitudes e decisões extremas. Justamente por isso a pessoa imbuída desse tipo de coragem faz de seu ato algo humilde e interior. Não é preciso e nem é compatível bater no peito e contar vantagem, sair bradando aos quatro cantos sua suposta bravura. 

Dificilmente pessoas no poder a ele renunciam livremente devido à impossibilidade física, sabedores de que não conseguem mais cumprir com rigor as exigências de seu cargo, de continuarem a ser confiáveis no desempenho de suas funções. 

Pelo contrário, o poder e a fama funcionam como drogas, viciam. Chefes amam ser adulados, aclamados, enaltecidos. Há políticos que mesmo sem mandato perseguem a notoriedade, não conseguem abandonar seu cargo, se consideram de uma importância ímpar, iluminados por seus egos inflados.

O valor moral da renúncia ao poder é tão grande quanto recolher-se e se tornar novamente Joseph Ratzinger, tendo por companhia seus livros, descansando e meditando. Um ex-papa...

Voltar a ser Joseph Ratzinger

2 comentários:

  1. Boa tarde professora Ines!
    Gostaria de agradecer a oportunidade de novamente poder estar participando do seu blog, e de mais uma vez, através do seu texto, poder mergulhar dentro dos conceitos mais genuínos da Filosofia.
    Muito interessante a senhora nos trazer uma dimensão moral para a ação de renúnicia do Papa. Concordo plenamente com sua ideia de que hoje existe uma valorização da coragem, no que tange aos esportes radicais, as atividades que põe em risco a vida. Entretanto gostaria de perguntar se a senhora considera que isso sempre foi um interesse da sociedade pois veja, nos nossos tempos a coragem está associada ao ato de triunfar da mesma maneira que sempre foi, como por exemplo na sociedade grega e tudo que veio após ela. Ocorre que para Nietzsche a era cristã é responsável por depravar essa virtude e o diz comparando a noção que se tinha do que é Bom pré e pós cristandade. Nietzsche afirma que ser bom era ser corajoso (deixai as raparigas dizer que bom é belo e meigo - Zaratustra). Agora a questão seria: por que a coragem está associada no pesamento antigo e retomada no pensamento de Nietzsche ao triunfar, ao ir além e até mesmo (eu diria) por que a coragem é a vontade ativa do não desistir?
    A resposta é muito simples : a coragem só faz sentido se associada à esse triunfar, esse extrair forças para seguir em frente. O nosso Platão, por exemplo, apresenta a temática da coragem com preocupação à virtude do guerreiro, enxerga na arte a ameaça para o desenvolvimento dessa virtude, ou seja, não era conveniente ao guerreiro ser dócil, a coragem exige uma violência que a arte apazígua.
    Tendo em vista essa dimensão de coragem fica difícil compreender o ato do papa Bento como um ato de coragem... Entretanto, o que a senhora afirma sobre a renúncia do poder abre a possibilidade para uma outra compreensão.
    Uma vez que para mim está difícil associar a renúncia do papa à coragem, fica fácil entende-la na sua resposta positiva ao chamado de ser papa, esse ato demandou coragem. Sua renúncia eu definiria como uma de Humildade e Egoísmo.
    Acredito que tenha sido um ato de Egoísmo mediante uma experiência profunda com sua própria existência, passar seus últimos anos só... consigo e com sua reflexões. Inclusive nessa missa da última quarta feira de cinzas que ele (papa) comparou seu afastamento do pontificado como uma ida ao deserto e complementou a metáfora dizendo "o deserto é morte é tentação".
    O que eu achei magnífico no seu texto é exatamente a noção que a senhora remonta sobre o poder que está em volta dese cargo, ou em volta de todos os cargos do poder, acho que a noção mais inerente aos efeitos colaterais do poder é exatamente a arrogância e o sentimento inefável do poder... é exatamente isso que ele renuncia... ele só não renunciou a si mesmo, na verdade renunciou quando tornou-se papa, mas nesse momento ele quer a solidão.
    Nesse sentido, essa abdicação dos poderes temporais, isso é humildade, a humildade de Jesus, a humildade que não havia em Nietzsche... o papa Bento renuncia seu lugar público para se recolher a si mesmo, para morrer consigo mesmo, assim como um artista antigo esquecido, mas sem ser esquecido, esquecendo o mundo que o acolheu!

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