sábado, 14 de abril de 2012

Sobre os cientistas ateus

Cientistas famosos e conceituados como o biólogo Richard Dawkins, o físico Stephen Hawking e Lawrence Krauss (ver entrevista em Época) se declaram ateus em nome de descobertas e teorias da ciência, e em razão do método científico fornecer provas.
Os argumentos utilizados se baseiam nas evidências acerca da origem da vida em nosso planeta (biologia) e no que até agora a astrofísica tem pesquisado sobre como o universo surgiu. A mais famosa teoria, como todos sabem, é a de uma explosão inicial de energia. E isso do nada.

Ora, na área cultural que as religiões ocupam há milênios, seres superiores ou, no caso do monoteísmo, Deus é a absoluta origem de todas as coisas. Para os gregos não poderia haver criação a partir do nada. Impossível o não ser gerar o ser. Para os cristãos, a geração divina de todas as coisas veio, sim, do nada. A pergunta não é como Deus poderia ter criado tudo do nada, como fazem os cientistas, pois assim usam uma questão científica para "provar" seu ateísmo. Os cristãos não precisam sequer pôr esse tipo de questão, Deus é onipotente e isso basta para aqueles que creem.

Não se pedem provas ou teorias para amparar crenças, a base delas é a fé transmitida pela tradição oral ou textos sagrados.

Quando um cientista faz profissão de fé em uma teoria científica, comete alguns equívocos:
- a ciência exige revisão permanente, todas suas teorias, ainda que sustentadas por cálculos e comprovação por meio de testes e/ou instrumentos, devem permanecer abertas para revisão. A ciência não pode se arvorar em palavra final. Se as teorias forem consideradas verdade final, a primeira teoria considerada científica bastaria e até hoje professores ensinariam a teoria de que tudo se compõe de terra, água, ar, fogo e éter (física aristotélica);
- se a ciência é convincente e seus resultados fantásticos, nem por isso ela ilumina corações e mentes com o conforto espiritual proporcionado pela fé religiosa ou pela crença em Deus;
- estados e nações em que a ciência e as religiões ocupam lugares específicos com funções próprias a cada uma delas, há maior tolerância e ambas são livremente praticadas e respeitadas.

Nada disso justifica, porém, a imposição de certas religiões ou chefes religiosos para que nas escolas em lugar do ensino de ciência (física, biologia em especial) sejam adotadas uma doutrina ou uma crença (criacionismo em lugar do darwinismo, por exemplo).

A separação entre Estado, religião e educação é imprescindível para assegurar a todos os cidadãos, justamente, que eles possam seguir uma crença, se assim desejarem, e aprender, informar-se e formar-se nas diversas e necessárias disciplinas escolares.

Essas reflexões que a abordagem filosófica enseja não são uma condenação do ateísmo. O problema do ateísmo é usá-lo como bandeira político-ideológica de defesa da ciência como saber absoluto. Dessa forma ela, ciência, extrapola suas funções e se assemelha a uma religião. Algo estranho e paradoxal: a fé no ateísmo...

5 comentários:

  1. Professora Inês,
    Sempre pesquisei esses assuntos e, creio eu, nunca teremos respostas definitivas quanto a existência ou não de uma entidade infinita, de poder absoluto, que responsabilizamos ou não pela existência do cosmos. A fé é algo que, felizmente ou não, sustenta certas teorias como verdadeiras. Ela é usada pela religião quando menciona o início divino de tudo e pela ciência com a teoria do Big bang. Mas, penso que a crítica de alguns ateus como o Dawkins em certo sentido acaba sendo importante, as vezes, para frear o dogmatismo religioso. A meu ver, muitos religiosos, deveriam dar mais valor a um suporte racional. Isso colaboraria para evitar o aumento dos entes desnecessariamente. Coisa, essa, muito comum para senso comum baseado fundamentalmente nas crenças. Essa ênfase na racionalidade parece limitar a religião e a crença em Deus, mas não. É possível, com isso, conciliar fé, razão e conhecimento científico.
    Daria como exemplo o que vem ocorrendo com as discussões à respeito do aborto de anencéfalos. A liberdade da mulher aumentou quando esse tipo de aborto foi descriminalizado. Mas temos dois lados. De um a religião, com o argumento da defesa da vida e do pecado em se assassinar uma vida gerada por Deus. De outro, a ciência e o estado laico abordando o problema de uma forma totalmente diferente. Por que diferente? Porque simplesmente a vontade de Deus não entra em discussão. Nem mesmo se trata de um assassinato como os religiosos tentam mostrar. A lei não está defendendo diretamente o aborto. O que a lei na verdade estabelece é que a mulher pode ou não optar pelo aborto. Assim, cabe a mulher escolher racionalmente, espiritualmente ou sentimentalmente o que fará com essa liberdade.
    Assim, diante de casos como esse, fica evidente que para a ciência e o estado laico não há uma verdade absoluta e imutável. Já a religião prega que a verdade é eterna. Ela está em Deus e a ética deve seguir essa verdade.
    No0 entanto, a história mostrou inúmeras vezes a falha de seguir os padrões da crença porque permitiu a morte em níveis muito mais amplos.
    Como professor estadual, ensino em História tanto o criacionismo como o evolucionismo, mas as evidencias do evolucionismo são, com toda certeza, superiores e a fé precisa ser recolocada com perguntas filosóficas:
    Bom, espera aí! O homem mudou em milhares de anos até chegar ao que é hoje, mas porque? Afinal, o que levou à formação de nosso planeta? E, no sentido de futuro, o que será de nós? Para onde iremos depois? É possível admitir a nossa não existência?
    Assim por diante.
    Questões que a ciência não consegue explicar. Por isso a filosofia ainda é tão importante.

    Parabéns pela postagem Prof. Inês. Vou colocar um link em meu blog com as devidas referências. Uma pena que uma professora como a senhora não esteja mais na PUCPR.

    um grande abraço,

    Jonas J. Berra

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    1. Ainda bem que em sala de aula há pessoas como vc com informação e honestidade intelectual.
      Sem uma análise de nossa história e de nossa cultura o debate de ideias se empobrece!

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  2. Muito bom o artigo. Gosto muito da maneira que a senhora escreve, inclusive, possuo dois livros seus; aquele sobre Foucault (UFPR) e ou outro sobre Filosofia da Linguagem (Parábola), muito instrutivos. É a discussão entre fé e religião é vasta e interessante, mas uma coisa que percebi em vários locais, inclusive repartições públicas do estado foi a presença de uma cruz pendurada na parede. Achei muito estranho, pois se o estado é laico não deveria ter representação de religião nenhuma, nem as escolas públicas deveriam ter uma cruz nas salas, pois é um local que se diz público... recebe pessoas de variadas culturas religiosas. A presença de um símbolo de uma organização religiosa fere a "publicidade" do local. Uma representação religiosa seja ela qual for esta mal posta, pelo fato de que não se pode admitir uma crença num local que se discutem variadas posições e além do mais, que é público e estatal. Mas uma parcela considerável dos educadores esqueceu disso, infelizmente...

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    1. Aos poucos essa discussão tão importante ganha terreno. Não se pode abrir mão do estado laico, símbolos têm uma significação imediata e clara, e, por isso, bastante forte e expressiva.
      Alguns têm defendido a cruz com o argumento de que culturalmente somos ligados ao cristianismo e, em especial ao catolicismo: nomes de cidades, estados, ruas, feriados religiosos, etc.
      Mas tribunais precisam manter símbolo religioso? Ou trata-se de um símbolo cultural?
      O debate está na ordem do dia, o que é ótimo para rever ou confirmar valores.

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  3. Eu vejo essa questão da justificação do ateísmo pela ciência como algo bem complicado. O que eu particularmente penso é que a ciência já explicou muita, mas muita coisa, que antes era explicado como ação divina. Então porque dar credibilidade àquilo que ainda é atribuido a ele? É evidente que isso não sustenta uma postura tão radical sozinha, mas também cria uma grande dificuldade para aqueles que defendem a fé. O que eu quero dizer é que a ciência pode ser usada sim para colocar a existência de divindades sob sérias suspeitas e que isso não é contradizente com os objetivos e com as limitações do método científico.

    Nunca li o Dawkins, exceto um documentário sobre medicina alternativa e uma coisa ou outra sobre biologia, então não sei exatamente como ele usa a ciência a favor do ateísmo. Mas, de fato, seria uma atitude muito estranha da parte dele usar a ciência para afirmar que divindades não existem com tanta certeza.

    Além disso, acho lamentável o trabalho de ateus que enxergam a religião como inimiga do homem, como algo a ser combatido. É evidente que existem pontos dentro da religião que estão errados e que os seculares têm feito um trabalho excelente em direção a uma solução, mas a extinção da religião é bem extremista. O que você escreveu me fez lembrar de exemplos como a Suécia, onde religiões convivem muito bem com o estado e com o povo.

    Sinto falta de ver textos sensatos e de qualidade como este em papéis de destaque nos debates de nossa sociedade!

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