terça-feira, 4 de outubro de 2011

A noção de causalidade

Há povos e culturas nos quais está ausente a noção de causalidade, quer dizer, para esses povos não há como conceber que os acontecimentos fazem parte de uma história que muda e cujas mudanças são o estofo de nossas atividades. Buscar a causalidade implica reduzir tudo a uma suposta causa única para todo o universo, para todos os seres, o que leva igualmente a supor uma causa final para a qual todos os seres tendem, à qual todos se subordinam. (Exemplo na história da filosofia: Aristóteles e os conceitos de motor primeiro e causa final).
Povos indígenas que habitaram (e ainda habitam?) o Brasil, aborígenes australianos, tribos africanas, todos eles viviam um eterno presente, caçar, eventualmente plantar; mudavam suas choças em busca de água e alimento, cultuavam a natureza, endeusavam suas forças; esses povos não evoluíram, não transformaram seu modo de ser e nem de pensar. Repetem hábitos e usos de geração a geração.
O intrigante é que outros povos e culturas tiveram uma história, e nela a noção de causalidade era fundamental. Deuses egípcios, sumérios, gregos eram personagens de episódios longos nos quais eram narrados seus feitos heroicos, eles comandavam o destino humano. Essas culturas buscaram uma causa geral para explicar a geração do mundo, que aliviasse o sofrimento, que desse um sentido à existência, às emoções, às guerrras, às conquistas. (Exemplo: Zeus; narrativas: Ilíada, Odisseia)
A narração leva à necessidade de uma escrita que preserva a história e que funda, ao mesmo tempo, a noção de história e, com ela, a de que há uma causa primeira e um destino final.

Zeus no comando do destino para os gregos

Quando os aborígenes foram contactados pelos conquistadores da Austrália, o que eles viram foram povos coletores, ligados à terra, aos animais, sem escrita, sem história. Foram colonizados, era preciso convertê-los à cultura e crenças dos europeus, à força; assim foram quase completamente dizimados.

Restam 1% dos aborígenes australianos

Apenas em anos recentes e muito devido ao abalo no modo de pensar que tudo tem uma origem e um fim último, levou a poder dispensar a causalidade, o que permitiu compreender que as culturas sem história são parte da própria história da humanidade.
Vive-se hoje, na chamada modernidade, sob um novo padrão de interpretação da história: não é porque seres evoluem que se precisa pôr todos eles sob uma única causa. Quer dizer, estamos como que soltos no ar, desobrigados, um pouco ao modo dos povos primitivos, de buscar uma explicação sobre a origem primeira. Surgem novos conceitos: inconsciente, desconhecido, finitude; a análise se volta para os usos de signos, para a linguagem como detentora da doação de significado, para a criação humana de valores (leia-se: Hegel, Nietzsche, Freud, Wittgenstein, Foucault). 

O divã de Freud: somos sujeitados ao que não conhecemos, o inconsciente
Sem a obrigação de impor crenças e sem a autoridade absoluta de reis, não só podemos compreender nossa história dentro de uma perspectiva mais ampla, como também modificá-la, quem sabe um dia para melhor...

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