sábado, 18 de dezembro de 2010

O desejo por imortalidade

Desde tempos imemoriais, quando os homens se descobriram mortais, negar a morte, prolongar a vida, preservar corpos, cultuar os mortos por meio de túmulos, pirâmides, monumentos, oferecer sacrifícios, enfim, tentar de alguma forma ser imortal - esse tem sido o desejo maior das pobres e mortais criaturas...
A literatura e a filosofia, entretanto, com seu poder de abstração, de reflexão e de imaginação, ensaiam como seria a realização desse desejo em personagens e obras.
Simone de Beauvoir Em Todos os Homens são Mortais (1946), descreve o drama de um personagem imortal, que, pasmem, é infeliz com essa condição. O efeito mais drástico, é o da solidão.
Jorge Luis Borges no conto O Imortal, relata a vida de um soldado da época de Diocleciano, que ouvira falar do Rio da Imortalidade e sai em busca desse rio. Para essa empreitada recruta soldados e mercenários, que, uns após os outros, morrem. Após dias de busca solitária, e de uma noite de pesadelo, acorda com sede e bebe de um arroio. Ele chegara a um país estranho, de trogloditas que moravam em cavernas. Ao fundo há uma cidade abandonada. Penetra em um palácio cuja "arquitetura carecia de fim", escadas que levam a lugar algum, sem simetria, sem serventia.
Acontece que os trogloditas eram imortais, e aquela cidade foi sua última obra, depois a vida deles se tansformou numa espécie de letargia, de volta sem fim, de ensimesmamento. Nada faz sentido, nada tem valor. Sofrer sede e fome, e nem assim precisar de alívio. A imortalidade os condenou à indiferença, não há mérito, não há vício nem virtude. O que não significa estarem eles para além de bem e mal, nem poderiam ser confundidos com ascetas do deserto, pois viver absorvidos em seu pensamento, era seu único consolo.
O soldado vai embora da cidade, sai em busca de um rio que lhe devolva a mortalidade, a humanidade, o desejo, o prazer, a dor. Séculos depois, sabe que os encontrou quando se percebe ferido, sangra, sente dor.
Morrerá...
E hoje? Cirurgia plástica para rejuvenecer, botox, academia, vitaminas, bailes de terceira idade, namorar, pílulas azuis -, são recursos alardeados por governos e pela indústria da saúde. É preciso a todo custo buscar a juventude, negar a morte, sob o pretexto de ser saudável. Amar se transformou em vitalidade sexual. O prazer de uma caminhada se transformou em passos medidos e avaliados pela eficácia. O que faz mal, o que faz bem: a vida transposta para essas duas colunas do que fazer (para não morrer!?).
Cultivar o sossego, a paz de espírito, o despreendimento, a sabedoria dos que se sabem mortais, aceitam essa condição, e dela usufruem, agora é visto como esquisitice.
Interessante essa "evolução" que passou da preservação de cadáveres, múmias com direito à vida eterna, às quase múmias plastificadas nos centros de estética. Incrível que estética tenha também sofrido uma mutação, passou de busca do belo, à busca de beleza à custa de bisturi, agulhas e picadas.
Quase ia esquecendo: a moda dos vampiros, glamorização e tragédia se juntam em mais um espetáculo sobre a vida eterna, que, aliás, vende muito bem!

6 comentários:

  1. É preciso escrever algo, marcar em postar, escolher perfil, entrar com e-mail, pelo menos comigo deu certo...

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  2. Profª. Inês,

    Que texto belíssimo e profundo!
    Continuo fascinado por tudo o que tens escrito!

    Um forte abraço!

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  3. Estou ficando viciada no blog da Dorinha como certas pessoas em botox. "Filosofia de todo dia" escrita de maneira agradável, inteligente e, principalmente divertida! Como nós seguidores iremos sobreviver ao período de férias... Bjs.

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  4. Gostei muito da reflexão filosófica sobre "o desejo de imortalidade". Professora Inês que maravilhoso que é este seu blog. Parabéns. Obrigado por dividir conosco um pouco do seu modo de pensar e ver as coisas... Abraços.

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  5. Interessantíssimo!
    Porém, analisando abordagens filosóficas, sociológicas, antropológicas ou psicológicas, ainda assim, creio neste fundamento:
    "Ele dará vida eterna aos que, persistindo em fazer o bem, buscam glória, honra e imortalidade."
    (Romanos 2:7)

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