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sábado, 2 de agosto de 2025

O que realmente importa

 Na última postagem perguntei quem nos salvará, quem nos resgatará. Vou refazer a pergunta: com quais metas e objetivos, por meio de quais valores?

Independência e coragem, capacidade de análise, enfrentamento de questões mesmo as mais espinhosas e controvertidas, pôr as cartas na mesa, olhar o jogo de A e de B, seus pontos altos, justificáveis, e seus pontos mesquinhos e injustificáveis.

O caminho se apresentará cheio de idas e vindas, com meandros e armadilhas, é preciso reconhecer o lobo disfarçado em cordeiro, as acusações mútuas, as fontes, ah! as fontes, como elas se enrodilham sobre si mesmas, umas catastróficas, outras com benevolência hipócrita. Mas, em meio a esses turbilhões pode  surgir a maré da calma, da postura, da razão, livre de artimanhas.  

O valor que precisa ser levado em conta não está na direita e nem na esquerda, não depende de chefes de Estado e muito menos de chefetes. O valor a ser resgatado pode ser buscado na própria história, se somos nós que construímos e somos responsáveis pela nossa conduta, é por meio dela, da conduta de milhões de pessoas, de milhares de iniciativas e ações, de exemplos, de compromisso com a liberdade que vem expressa e garantida por meio do engajamento, não a liberdade vazia que vem expressa em leis e constituições. E isso porque há nações que exibem liberdade nas bandeiras, mas oprimem na realidade. 

Um exemplo de coragem, busca de liberdade, de simplesmente ser reconhecido como pessoa em sua integridade física, mental e de direito, foi o amplo movimento dos negros nos EUA desde o século 18 até recentemente, décadas de 80 e 90 do século passado. Submetidos ao mais cruel apartheid, em zonas das cidades, em transporte público, nos banheiros, nos cinemas. Sim, apenas nesse exemplo, o dos cinemas no sul, na Luisiana, Flórida, Mississipi, havia duas cabines para a compra de ingresso na nascente indústria cinematográfica que encantava e atraia, depois, era preciso subir um, dois, três, quatro andares, com forte cheiro de urina, para finalmente se instalarem no último andar e degustar o espetáculo.

Esse caso é narrado por Isabel Wilkerson em The Warmth of Other Suns (O Calor de outros Sóis), a história da migração dos negros do sul opressor para o norte libertador.  


Segregados em sua educação, perseguidos, torturados e mortos, há incríveis biografias dos que se realizaram e puderam, com liberdade, viver, criar suas famílias e ir em busca da realização pessoal. Liberdade para desenvolver suas potencialidades, coragem para enfrentar o medo, o castigo físico, a humilhação.

Isso sim pode nos resgatar, ir em busca de realização, com coragem e independência, especialmente no momento histórico atual em que títeres mandam e desmandam, em que chefes de Estado se perdem em vociferações, não se sabe mais em quem confiar.

Há que confiar não neles e sim na capacidade humana de lutar, repito, com coragem e independência. 

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

As virtudes na ética da antiguidade, cristã e contemporânea

Virtudes são disposições para agir bem, requerem o cultivo de hábitos que levam a uma boa e bela vida, não só a do indivíduo, mas práticas que promovem o bem comum.
Na ética antiga as virtudes cultivadas eram as da sabedoria, prudência, fortaleza, coragem, autodomínio, liberdade para exercer sobre si mesmo um controle prudente dos desejos e das paixões, em nome do equilíbrio, da moderação. Nada é ditado ou imposto do exterior por alguma autoridade moral ou política. Por exemplo, ser magnânimo, isto é, aberto, condescendente, capaz de superar dificuldades, ter um espírito livre, é melhor do que ser raivoso, cruel, mesquinho.
Não havia a noção de repressão, de castigo, de punição, prevalecia o cuidado consigo o que requer conhecimento de si. O "Conhece-te a ti mesmo", antigo preceito que Sócrates adotou, significa que sem o logos, sem o conhecimento de si, sem a verdade, nenhuma das virtudes pode ser praticada.
A ética cristã é modelada por outros princípios, daí outras virtudes. Vida regrada em nome da pureza, da castidade, da humildade; o desejo deve ser reprimido, o corpo é carne e esta pode levar à impureza, ao pecado. Os prazeres precisam ser controlados, é melhor sofrer o desprazer, ser rígido e reconhecer-se como pecador, para assim purificar sua alma, do que ser escravo das paixões. Há que seguir os preceitos de uma moral rígida e que vale para todos, da mesma forma.
E hoje? Penso que vale a pena recuperar alguns valores da ética antiga, pois estão ligados à verdade e à liberdade.
As virtudes mais prezadas no mundo atual estão ligadas à manutenção da vida, à luta pela sobrevivência, à defesa da privacidade, à busca do bem-estar, em especial o do corpo saudável.
Quando se menciona a prudência, é a com relação a algum tipo de risco, violência (assaltos, acidentes de trânsito, perigos e riscos físicos). Quando se aconselha o autoconhecimento, não se visa engrandecimento pessoal, mas pôr sua existência sob o crivo de um especialista, esperando que ele ou ela dê conta de seus problemas, o libere da angústia e dê algum sentido à sua vida. Quando se fala da prática da sabedoria, confunde-se com inteligência (sabedoria medida por um teste de QI...) ou com aquilo que gurus têm, mas que é inalcançável para o comum dos mortais.
Quando se fala em equilíbrio, moderação, pensa-se logo na boa forma ou no novo mal do século 21, o peso do corpo, há que ficar atento ao índice de massa corporal, seu excesso ou sua falta.
Quais seriam, então, as nossas atuais virtudes, se é que essa preocupação com uma ética das virtudes ainda faz sentido?
Infelizmente predomina a ética do empreendedor. Realização pessoal passou a ser realização profissional; ser ético, é no trabalho, para realçar a imagem da empresa e evitar processos; espírito livre e magnânimo, são atitudes que sequer fazem sentido...
O processo de formação, de construção, de educação, deveria incluir algum tipo de reflexão sobre ética, valores e virtudes. Se as crianças tiverem essa formação, algumas são manipuladoras, ditadores mirins, exigentes e autocentrados, haverá menos adultos frustrados e por vezes violentos.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Conceito de justiça

A cada crime, a cada ato de violência, ouve-se "Queremos justiça!". Trata-se da justiça obtida pelo direito, que é muitas vezes precária, lenta, cheia de percalços. Condenar o culpado é tudo o que se requer para que a justiça se estabeleça. Isso basta?
Justiça pode ser entendida como um valor, aliás, para Platão, ela é a virtude mais preciosa para a realização política na polis. A cidade ideal é aquela em que as pessoas têm um papel, uma função, cada um ocupa seu lugar no todo segundo sua capacidade. Artesãos, guerreiros, governantes têm suas funções específicas e realizam um tipo de valor: os primeiros realizam a virtude da temperança, da moderação, sua alma é sensitiva; os guerreiros defendem a cidade, sua virtude é a da coragem; os governantes devem ser sábios, sua virtude é a da sabedoria. Justiça é uma decorrência dessa distribuição.
O conceito de justiça que mais usamos na modernidade não é o distributivo e sim o equitativo. Ela é para todos, e todos ganham o mesmo quinhão.
Evidentemente isso não funciona, há diversidade enorme de gostos, de educação, de projetos pessoais. Governo algum consegue distribuir tudo a todos da mesma forma. E se por acaso o fizesse, teria que ser impositivo, totalitário, ter mão de ferro para que uns não quisessem também o que caberia ao outro.
Um conceito mais interessante e viável é o de um filósofo norte-americano, Richard Rorty (1931-2007), de justiça como lealdade ou solidariedade alargada. Para ele não há uma moral universal, não há regras morais que devam ser seguidas por todas as culturas. Ele sugere que em algum lugar, de alguma forma, entre as crenças e desejos compartilhados deveria haver recursos que permitissem a convivência, a convivência sem violência.
Como aplicar isso a palestinos e israelenses, por exemplo? A aproximação deveria permitir que cada um desempenhasse seu papel, seu destino político sem que nenhuma das partes pretendesse impor-se ou arvorar-se em ter razão, ser superior ou alegar direito inconteste.
Alargar a lealdade que se tem com seu amigo, seu familiar, ao outro, ao outro lado da fronteira, ao diferente de nós. Isso seria praticar justiça.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Por que a nova palavra de ordem é "desafio"?

Vocês já repararam na quantidade de vezes que o termo "desafio" é usado na TV, nos jormais, nas empresas, nas escolas, no dia a dia das pessoas, pelos políticos, nas cúpulas mundiais? Desafios da reportagem, desafios do milênio, desafios do mudança climática, desfios da economia, etc., etc.
Já parou para pensar por que essa palavra está na ordem do dia?
Ela foi importada dos manuais para empresários norte-americanos ("challenge"), se espalhou no meio empresarial como busca de cumprimento de metas, e hoje é usada dando o sentido psicológico de obrigação de chegar lá. Assim, quem não chega lá (seja lá onde for, nos esportes, passar de ano, vencer etapas) é visto como perdedor.
Até mesmo em certas escolas voltadas para "os desafios do futuro", há no currículo uma matéria chamada de "empreendedorismo", que nada mais é do que treinar seu filho, sua filha para ser um futuro empresário, que vence desafios, um vitorioso.
Mas e o resto? Não dá para, na educação, olhar o mundo só por uma fresta de janela. Há outras, como a criatividade, a camaradagem, cultivar valores, um estilo de ser e de pensar mais livre. O vida não é feita só de profissões, nem só de desafios, nem só de treinamento.
Seu filho, sua filha não deve ver só uma árvore, quando há a floresta para ser percorrida, contemplada, explorada.