É possível ao pintor chegar ao exato tom de azul do céu em sua tela? E com as outras cores que certa paisagem exibe, é possível fazer essa tradução?
Céu azul, metáfora, impressão e inspiração
Não, e é exatamente por isso que a arte atinge o inalcançável, o que soa paradoxal, pois como chegar ao que é impossível de chegar? Pode-se colher alguma resposta em nossas próprias experiências. A alegria, as realizações, a busca da completa harmonia, a sensação de beleza total, a chegada triunfal ao cume da montanha, o atleta que se supera meta após meta, tudo isso vem acompanhado de certo vazio, de certa incompletude, algo sempre falta. Um engano considerar que essa sensação, que essa percepção, que essa vivência da falta sejam empecilhos, que prejudiquem e indiquem que somos irremediavelmente falhos.
É justamente porque algo falta, que o inalcançável se torna a meta, que atar o nó que enlaça desejos, crenças, projetos não possa ou nem deva ser dado. Talvez seja essa a mais própria e intrigante condição humana, que o impossível se torne possível. Somos movidos a tentar preencher com o que está à mão: certa nuance, a paleta de cores, a inspiradora combinação de notas, as palavras que expressam emoções e intuições do poeta, a coragem de dizer a verdade, entender o que nos impulsiona, consola e atrai. Neste sentido, o bilhete do suicida representa a derrota nessa busca. Ao explicar, expor seus motivos, sua dor, seu sofrimento ele/a ao mesmo tempo cede, renuncia ao inalcançável.
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O que dizer sobre o oposto da busca por essa rara experiência. Alguns exemplos: as palavras repetidas, ocas, gastas, despidas de significado, que servem para ferir; o incendiário que ri do caos; o cerol na pipa; as mútuas acusações revestidas do ódio mais cruel; o culto ao deus da irracionalidade; os disparos de metralhadora entre gangues rivais; a eliminação pelo Talibã de autores mulheres de bibliotecas. Você leitor/a certamente acrescentaria outros tantos absurdos.
Quando achamos que nada mais pode chocar, a notícia de alguns dias atrás (18/09/2025) pela BBC de que menina recém-nascida enterrada. Um pastor de cabras, na província de Shahjahanpur, Índia, ao ouvir um gemido aproximou-se e avistou um bracinho levantado em meio a um monte de terra. Era uma bebê de aproximadamente vinte dias. Ele chamou a polícia, levada a um hospital, médicos tentam salvá-la. Até onde se sabe, a criança sobrevive.
Bebê na UTI (Índia, setembro 2025)
Há uma preferência por meninos neste país de Indira Gandhi, uma mulher. É no ventre de mulheres que meninos e meninas são gestados...
O que o pastor sentiu? Provavelmente o avesso do inalcançável, do sublime, da alegria, do júbilo que o nascimento de uma criança, um filho ou uma filha gera. O pastor experimentou a crueldade.
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