segunda-feira, 22 de setembro de 2025

A rara experiência do inalcançável

 É possível ao pintor chegar ao exato tom de azul do céu em sua tela? E com as outras cores que certa paisagem exibe, é possível fazer essa tradução? 


 

Céu azul, metáfora, impressão e inspiração

Não, e é exatamente por isso que a arte atinge o inalcançável, o que soa paradoxal, pois como chegar ao que é impossível de chegar? Pode-se colher alguma resposta em nossas próprias experiências. A alegria, as realizações, a busca da completa harmonia, a sensação de beleza total, a chegada triunfal ao cume da montanha, o atleta que se supera meta após meta, tudo isso vem acompanhado de certo vazio, de certa incompletude, algo sempre falta. Um engano considerar que essa sensação, que essa percepção, que essa vivência da falta sejam empecilhos, que prejudiquem e indiquem que somos irremediavelmente falhos.

É justamente porque algo falta, que o inalcançável se torna a meta, que atar o nó que enlaça desejos, crenças, projetos não possa ou nem deva ser dado. Talvez seja essa a mais própria e intrigante condição humana, que o impossível se torne possível. Somos movidos a tentar preencher com o que está à mão: certa nuance, a paleta de cores, a inspiradora combinação de notas, as palavras que expressam emoções e intuições do poeta, a coragem de dizer a verdade, entender o que nos impulsiona, consola e atrai. Neste sentido, o bilhete do suicida representa a derrota nessa busca. Ao explicar, expor seus motivos, sua dor, seu sofrimento ele/a ao mesmo tempo cede, renuncia ao inalcançável.

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O que dizer sobre o oposto da busca por essa rara experiência. Alguns exemplos: as palavras repetidas, ocas, gastas, despidas de significado, que servem para ferir; o incendiário que ri do caos; o cerol na pipa; as mútuas acusações revestidas do ódio mais cruel; o culto ao deus da irracionalidade; os disparos de metralhadora entre gangues rivais; a eliminação pelo Talibã de autores mulheres de bibliotecas. Você leitor/a certamente acrescentaria outros tantos absurdos. 

Quando achamos que nada mais pode chocar, a notícia de alguns dias atrás (18/09/2025) pela BBC de menina recém-nascida enterrada. Um pastor de cabras, na província de Shahjahanpur, Índia, ao ouvir um gemido aproximou-se e avistou um bracinho levantado em meio a um monte de terra. Era uma bebê de aproximadamente vinte dias. Ele chamou a polícia, levada a um hospital, médicos tentam salvá-la. Até onde se sabe, a criança sobrevive. 



Bebê na UTI (Índia, setembro 2025)

Há uma preferência por meninos neste país de Indira Gandhi, uma mulher. É no ventre de mulheres que meninos e meninas são gestados...

O que o pastor sentiu? Provavelmente o avesso do inalcançável, do sublime, da alegria, do júbilo que o nascimento de uma criança, um filho ou uma filha gera. O pastor experimentou a crueldade.

domingo, 14 de setembro de 2025

Os perigos da polarização

 Um ativista é morto com tiro no pescoço ao expor suas ideias em espaço universitário; movimentos de massa são comandados por palavras de ordem; um julgamento, tal qual juízo final é conduzido por salvadores da pátria; a pressão política vem camuflada sob argumentos jurídicos; extremistas se empurram, se acusam e acuam uns aos outros em campos opostos, como verdadeiros inimigos. 

Em meio a esse caos em que tudo tem a aparência de ordem, até mesmo a clareza do raciocínio serve aos ideólogos, o argumento baseado em fatos sofre pressão, não custa voltar ao Grande Irmão do livro premonitório de George Orwell, 1984. Citado, parodiado, enaltecido, merece ser lido ou relido. Tudo o que se conhece como civilização é destruído, há patrulhas em todo canto, a verdadeira força não vem dos exércitos e sim da conversão do pensamento e da linguagem. A Política do Pensamento, a invenção da Novalíngua que diz: Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força, empurra todos para a obediência, para a cegueira ideológica. 

Vive-se em nosso país sob essa cegueira ideológica, que escraviza e compromete a integridade e a liberdade. Duas pontas de um mesmo cordão, a multidão insuflada e presa à imagem de liderança construída para se opor à outra imagem, de outra liderança, resultou em duas situações políticas, de direito e de fato, institucionalizadas, dois polos que se enfrentam pelo poder. Há mais ódio do que busca de entendimento, mais acusações mútuas do que sensatez e argumentos, mais lama jogada de um lado para o outro e arbítrio, do que compreensão baseada no justo meio, na inteligibilidade, na razoabilidade.

O condutor de massas, imbuído de missão salvadora, investido de uma mística, não é desvendado, não se aponta para suas fraquezas e insuficiências, e, principalmente, seus erros. Investido dessa mística ele eleva o tom, e o clamor de multidões não cessa ao ponto da quebradeira que acabou por justificar e dar voz aos justiceiros. E pior, o tribunal que investigou e condenou esse messias, não fez justiça, ludibriou, controlou, manipulou. Consequência, a mística se fortalece, a multidão agradece pois sua causa fica demonstrada. Trata-se, é claro, do ex-presidente.

     

                                               

 Acima de tudo e de todos foi imposta, votada, anunciada a versão final dos fatos pelos juízes que dão a cartada final. Uma versão que agride o senso de justiça e que acaba por agigantar a mística: "tentar" deve ser entendido, na Novalíngua suprema, como executar, como ato realizado. O novo significado de "tentativa" é "realização". Assim, se alguém diz "tentaram roubar meu carro" = "roubaram meu carro"; "houve uma tentativa de escalar a montanha" = "a montanha foi escalada", e assim por diante. 

Voltando à obra 1984, o Grande Irmão obrigou pessoas a trabalharem em versões diferentes dos fatos, selecionam uma ou outra, usam referências cruzadas "e então a mentira escolhida passaria para os registros permanentes e se tornaria verdade" (97-98).

Quem pacificará os ânimos? Como seria viver sem tutela? Qual o preço da idolatria? Quando a massa governável e manipulável acordará?

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Qual é o sentido da vida?

 Em nossa eterna busca por satisfação, surge a pergunta: qual é o sentido da vida? Simples, é dar sentido à vida

Há os insatisfeitos para os quais o copo parece estar sempre meio vazio, então é preenchido com preces, promessas, arrependimento, dor moral, pior do que mesmo a dor física. Entram em um labirinto sem o cordão para guiar no caminho de volta, labirinto penetrável (se impenetrável não seria labirinto) e sem fim. Onde parar? Em certo ponto, como se fosse um ponto de ônibus com a placa: "Esperança". Segue então seu destino, até que o motorista anuncia: "ponto final".

Para onde irá minha alma, meu espírito errante? O vazio daquele copo precisa ser preenchido a todo custo. Sem escolha livre e consciente, a pessoa se encontra presa a grilhões, não quis ou não pôde escolher.

A possibilidade de escolher, repetindo, é o que dá sentido à vida, sermos capazes de enfrentar, de decidir, de realizar.

As mais terríveis "prisões" são as que impedem essa liberdade, como a dos eternamente dependentes de uma mãe, no sentido literal e no sentido figurado; aqueles aos quais não foi dada a educação, a formação para serem independentes; aqueles aos quais foi subtraída a condição de vida minimamente sustentável; aqueles que são jogados para a margem, seja pela violência, seja pela ignorância; aqueles que são escravizados, discriminados, submetidos a um poder soberano. 



Escravos na lavoura de algodão (Estados Unidos)

Dar sentido à vida por meio de uma profissão, da arte, do trabalho, do afeto, da amizade, dos vínculos familiares, do amor dos pais pelos filhos e dos filhos pelos pais, nessas relações há construção de sentido duplamente, encontrou-se um caminho traçado voluntariamente, e encontrou-se valor, os esforços valeram a pena. Foram superados os obstáculos do impulso, da submissão, do conformismo. Houve determinação, houve vontade, houve luta, houve remoção de obstáculos e mais, a possibilidade de usufruir dessas conquistas.

Quando isso é impossível? Por escravidão, ameaça, perseguição, castigos mortais, imposição de uma rotina excrusiante. Isso significa que essas vidas não têm sentido? Essas vidas demandam sentido, impedidos de escolher, há que lutar por eles, justamente as pessoas capazes e responsáveis, bem como instituições onde há liberdade, informação, direito, leis, justiça. Sua vida pode dar sentido a muitas vidas.