domingo, 12 de fevereiro de 2023

Descartes revisitado

 Esta postagem é uma sugestão da amiga Dayse Stoklos Malucelli a respeito de Descartes que eu mencionei em 29 do mês passado. 

A inversão do "Penso, logo existo" foi proposta por Sartre, "Eu existo, logo penso". Seu propósito era reafirmar a existência, o ser aí no mundo, desgarrado, em plena e total liberdade para, como se diz atualmente, inventar-se. 

Por outra via, como entender e ir além de Descartes?

                                  

                                              1596-1650 

Para ele havia mais realidade objetiva no pensamento, na consciência, nas ideias do que nas coisas com extensão, materiais. A certeza cartesiana, mesmo depois de supor que ele não tinha corpo, que não houvesse lugar algum no mundo, ainda assim ele não poderia "fingir sobre isso que eu nada fosse". Trata-se de uma filosofia do eu como uma substância pensante, que não necessita de lugar e nem de nada material, que ele é uma alma inteiramente distinta do corpo. Além disso é mais fácil conhecer a alma do que o corpo. Assim, Descartes chegara ao princípio que buscara, firme, claro, a verdade que resistiu à dúvida para chegar a um estado de certeza.

Como se vê, a busca toda é pela verdade de tipo analítico, matemático. Um cálculo até chegar à rocha firme da qual tudo poderia ser derivado, isto é, a metafísica. Ela é a raiz da árvore da sabedoria. Deus não poderia ser enganador, isso porque em nós está clara e evidente a ideia de um ser superior.

Isto posto, revisitar Descartes, atualizá-lo conduz a dois caminhos: 

- o da mente, pensamento, consciência que seriam essencialmente diversos do corpo, quer dizer do cérebro, das sensações, até mesmo a da dor, em correntes espiritualistas.

- o do corpo que nasce de outro corpo, que precisa de lugar, que se adapta, imerso na temporalidade, sujeito a dor, que entende e interpreta signos, símbolos, que aprendeu uma linguagem. Para resumir, está imerso em certa cultura. 

A linguagem possibilita pensar, e pensar não é algo metafísico, é característica humana da vida em sociedade, e a evidência, se a deslocarmos da perspectiva cartesiana, é que houve evolução. Assim, no lugar da radical distinção mente\corpo, tem-se a vida em suas diversas manifestações, aprendizado, acertos e erros, realizações e frustrações. E o que permeia tudo isso são as significações, para Wittgenstein, os jogos de linguagem. 

Permitam-me citar p. 139 sobre o racionalismo de Descartes e a atualidade: 

O racionalismo, entendido como confiança apenas nos poderes da razão, ensina que não se deve abrir mão desses poderes. Mesmo em períodos de estagnação e obscurantismo, de radicalismo e de violência, aplicar a razão em prol de constante melhoria nas condições de vida muitas vezes é o que nos resta fazer. Em um mundo globalizado e multicultural, com avanços e retrocessos, o papel dos pensadores da cultura, dos cientistas, dos escritores, dos jornalistas e dos intelectuais é ainda mais importante. E eles se valem do que?  Dos esforços da razão para afastar mitos, ilusões, preconceitos, fanatismo, ideologias extremistas e todo tipo de obscurantismo. Nesse sentido as lições de Descartes, em especial no processo educacional daqueles que estão em formação intelectual e moral, são inestimáveis (in: 15 Filósofos, vida e obra, 2020)


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