segunda-feira, 7 de setembro de 2020

O que é "liberdade de expressão"?

Em recente episódio que se tornou rapidamente espalhado pelas mídias, o presidente Jair Bolsonaro respondeu à pergunta de um jornalista sobre depósitos nas contas de sua esposa com: "Tenho vontade de encher a sua boca de porrada!".

Pronto, o alarde era previsto. Quero me deter na análise de uma correspondente da rede Globo na Suíça, de que fora bloqueado o direito à liberdade de expressão do jornalista. Claro que imediatamente vem à mente que também o presidente teria usado de sua liberdade de expressão, mesmo sendo grosso e muito imprudente, como é sabido. Evidentemente há o outro lado da moeda: o jornalista claramente provocou, o objetivo não era o propriamente jornalístico, ou seja, informar e comunicar ao público por meio de fontes as informações que, aliás, já estavam disponíveis e acessíveis ao público, sem censura.

Então, o que é liberdade de expressão? Aparentemente dizer o que vem na telha a qualquer um em qualquer circunstância? ou não?

Em uma sociedade plural, em situações as mais variadas, o que mais ocorre são as comunicações imediatas, impensadas, exploradas por quem as transmite, interpretadas pelo tipo de poder em jogo, geralmente o poder econômico, político e midiático. Quem fala mais alto? A partir de que canal de comunicação? Qual a reverberação da mensagem? Quem diz o que para quem?

A diferença crucial para entender que liberdade de expressão não é agredir, insultar e muito menos provocar para ver a reação e resultá-la contra ou a favor do interlocutor. Em outras palavras, há uma distinção entre afirmar, proferir juízos, declarar, informar e, na outra ponta, sugerir, provocar, falsear, interpretar pró ou contra certa ideologia, credo político ou religioso, defender o ponto de vista dos adeptos ou contrários a certa política, ou a tudo o que se abrigar sob o selo do que convém ou não defender em público. Camuflagens...

Procurar argumentos sólidos, deixar cair o véu ideológico, e, ao invés de distorcer fatos e circunstâncias, esclarecer, isso foi o que buscou Kant, o esclarecimento à luz da razão. Ora, parece que é justamente a luz da razão que vem se apagando em nossa sociedade. Responsabilizar-se pelo que se diz, essa seria propriamente "liberdade de expressão". Fundamentar os argumentos, buscar uma intersubjetividade intacta, como diria Habermas, fundamentos buscados em ciências reconstrutivas, aquelas ciências que mostram as vias de acesso à compreensão, à reformulação, às tomadas de decisão inteligente de cientistas que podem ser sociólogos, biólogos, estatísticos, enfim, aquelas ciências que iluminam "as situações nas quais nos encontramos", juntamente com a filosofia, para aprendermos "a interpretar as ambivalências que nos atingem como sendo outros tantos apelos a uma responsabilidade crescente em meio a espaços de ação em vias de se encolherem cada vez mais", escreveu Habermas em "A unidade da razão na multiplicidade de suas vozes".

O entendimento não é entendimento se for coagido, se for provocador, se instigar o ódio, o preconceito, se mentir ou enganar. Entendimento requer responsabilidade, busca de conteúdo, no caso do jornalismo, conteúdo relevante, fidedignidade das fontes, levantamento de fatos que iluminem e esclareçam. Entendimento é a capacidade de ouvir, compreender, e não de insuflar, deteriorar propositadamente a situação e as circunstâncias que envolvem pessoas e ações. 

Portanto, o conceito de liberdade de expressão precisa ser equacionado e reconstruído. De per si, ele é um conceito fugidio, ambíguo, pode ser usado contra ou a favor de certa pessoa, em geral com poder e/ou prestígio. Nas sociedades modernas é fácil influenciar e conduzir massas e multidões, convencer, usar de todos os meios em proveito de si, dos seus, de sua empresa, de seus meios de comunicação. A comunicação se torna pulverizada e imediata nas redes sociais, com sua habitual banalidade e ao mesmo tempo capacidade de ferir, de destruir, de manipular. 

Caminhos estreitos e cheios de percalços os da comunicação responsável e verídica, a qual, num mundo ideal, seria a autêntica liberdade de expressão. 

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