terça-feira, 22 de setembro de 2015

Essência e Existência II

Volto a abordar o tema acima, um dos pontos principais de toda a história da filosofia. 
A busca do fundamental e do que funda todas as coisas existentes em geral os filósofos resumem pelo conceito de "essência". Tal como no vocabulário do dia a dia, essência é o sumo, o suprassumo, isto é, o que permanece depois de sofrer mudanças, depois, digamos assim, de ser "espremido".
 A essência, é, portanto, invulnerável, imprescindível, sem ela a existência se dispersaria, seria nada. 
No pensamento medieval, representado principalmente por Santo Tomás de Aquino (1225-1274), a essência se concretiza de três modos nas substâncias (substância caracteriza a permanência, algo não derivado nem secundário): 
- o modo de ser de Deus, que ao mesmo tempo existe e é sua própria essência, tudo dele depende e ele não depende de nada; 
- os seres criados, as criaturas, recebem sua existência e sua essência de Deus, elas diferem entre si em gênero e espécies, por exemplo, plantas, animais, homens; 
- há ainda essência em tudo que se compõe de matéria (perecível) e forma (responsável pelas características individuais).

A busca pela essência prossegue nessa mesma direção nas filosofias de tipo clássico, Deus como causa eficiente e final de tudo o que existe. Essas filosofias consideram que existe mesmo o mundo religioso e sobrenatural, um tipo de metafísica da realidade última e superior para a maioria das religiões, que se impõe como um guia superior e inquestionável para a conduta humana; ao lado desse mundo de essências, que só pode ser apreendido pela filosofia, há a existência do mundo que pode ser estudado pela ciência, o mundo empírico dos fenômenos. Assim  Dewey, filósofo pragmatista norte-americano, resume a filosofia tradicional em Reconstruction in Philosophy (1948).
Note-se que Dewey historiciza, quer dizer, sua reflexão se baseia na história social e cultural da humanidade. 

E esse já é um pressuposto da filosofia moderna e contemporânea.
Heidegger, também se volta para a história, em particular a história da filosofia a fim de elucidar as diversas abordagens da relação essência/existência. Para ele filosofar é dialogar com os filósofos, debater com eles, abrir nossos olhos e ouvidos para o que disseram, e todos se preocuparam com o "ser do ente". 
O que isso significa?
Ater-se à linguagem de cada tradição filosófica, procurar compreender como cada uma respondeu àquela questão: o que fundamenta, qual é a essência, como se "produz" o ser que determina toda e qualquer entidade (criatura, átomo, espírito, corpos, objetos, mundo, cosmo, etc., etc.).
Um exemplo: Heidegger escreveu sobre a filosofia grega, sobre Leibniz, sobre Kant, tem um elaborado e denso estudo sobre Nietzsche. Em todos procura enxergar como cada um entende o ser, e para Heidegger a linguagem é a "casa do ser". Seu diálogo com Kant mostra o poder do entendimento humano, o ser só pode ser apreendido pelo modo de conhecer transcendental, fundado em conceitos e categorias.

Interessante observar que a filosofia tradicional toma a essência e a existência como dependentes uma da outra e consideradas em si, de um modo absoluto.
Ao passo que a filosofia pós-metafísica, que Kant inaugura, toma a essência e a existência como inerentes à razão e ao nosso entendimento. Elas se enraízam em nosso pensar, em nosso filosofar, e, por isso mesmo, na construção de nossa própria humanidade, em como existimos e nos manisfestamos. Isso fundamenta tanto a essência como a existência. 
***
Reflita sobre esses percalços e barbaridades: indígenas não possuem alma; opositores de certos regimes devem ser eliminados; judeus dizimados; xiitas convertidos em sunitas; sunitas em xiitas; ateus condenados ao inferno. A lista da estupidez é enorme e inesgotável. Como entender isso à luz de nossa existência? E de nossa essência?

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