sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Atos de fala segundo Austin ("speech acts")

Em uma série de conferências de 1962, o filósofo inglês J. L. Austin contribuiu com uma nova forma de ver a linguagem, a da ação, a da pragmática. Falar pode ser um ato realizado apenas pela fala, como em "Eu batizo" "Eu juro...", "Eu aposto....". Em atos que constatam, como afirmações a respeito de algo, isso também ocorre como Austin acaba por concluir.
Todo ato de fala emitido em situação, em contexto apropriado, com intenção de dizer realmente o que se quer significar, há três dimensões concomitantes:
- Um ato locucionário, expressões usadas são inteligíveis pois gramaticalmente aceitas em termos de regras sintáticas, com vocabulário de certa língua, com certa entonação, reporta-se algo, e em geral se refere a algo, a um estado de coisa do mundo.
- Um ato ilocucionário, que é a ação implícita no ato de dizer algo a alguém, por exemplo, "Meus vizinhos se mudaram para longe daqui". Afirma-se com intenção sincera, informa-se algo, ou pode servir como uma mentira se alguém os ameaça e a pessoa que informou pretende defender seus vizinhos. Os atos de fala, neste nível, são como que revestidos de um valor. Se alguém compreende um ato de fala como aviso, imediatamente age de acordo, acata ou não o aviso. E assim com uma ordem, um pedido, uma sugestão, uma pergunta, etc.
-Um ato perlocucionário, há um efeito produzido em quem ouve, certa afirmação, em certo contexto, pode alegrar, amedrontar, ser útil ou nociva. 

Habermas, em sua teoria da ação comunicativa, mostrou que os atos de fala ou atos de discurso, tal como propusera Austin, são o núcleo do discurso comunicativo. Isso porque falar não é trocar sentenças de uma língua, e sim enunciações em situação de discurso. Não há diálogo possível sem a execução de atos de discurso, quer dizer, é preciso compreender o que se diz para haver resposta: sim, não, talvez, é verdade, concordo, discordo, por favor repita, explique-se melhor... São situações criadas por diálogos, por textos, por atos comunicativos.
É possível influenciar pelo discurso, pela fala, levar alguém a crer, a obedecer, instigá-lo, quer dizer, por meio da linguagem se exerce poder.
E isso desmonta a suposição de que verdade e afirmações se ajustam para constatar fatos, de que a linguagem é relato, nomeação de algo, ou então, pura significação. Linguagem é sempre ação, de outro tipo da ação normalmente reconhecida, a física. Impossível que palavras firam alguém fisicamente, mas podem ferir alguém em sua vida, na autoestima.

Words, words, words, em Hamlet (Shakespeare), palavras ao vento... Alguém poderia objetar que palavras não passam disso, palavras. Entretanto, para que o personagem assim se expressasse e fosse compreendido, isto é, que são palavras apenas, é preciso usar a linguagem, um ato de fala sobre o que valem as palavras. A linguagem é autorreferencial.
Millôr Fernandes: "Uma imagem vale mais que mil palavras... Experimente dizer isso sem palavras!"

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