sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Liberdade de expressão, protesto e censura


O poder de congregar e de influenciar das redes sociais ficou bastante evidenciado em episódios recentes. Foi o caso da "primavera árabe", em que o clamor pela democracia, no Egito, levou multidões à praça Tahir. Com coragem e persistência, conseguiram derrubar um ditador e expor suas crueldades e arbitrariedades. A convocação via internet e telefonia móvel foi o pontapé inicial para deslanchar o movimento.
Mensagens pelo facebook e pelo blackberry levaram jovens a depredar lojas, incendiar e assaltar o comércio em Londres e outras cidades inglesas. Bagunçar, enfrentar a polícia, levar para casa o que pudessem, sem temer represália, tudo isso começou como protesto pela morte de um jovem por policiais e acabou em bandos incitados a depredar.
Dois usos do mesmo veículo de comunicação. No segundo caso a polícia londrina aventou a hipótese de bloquear ou pelo menos cercear o uso de redes sociais quando incitam à violência. Não há como, a menos que se monte um esquema de censura como na China.
As mensagens eletrônicas são rápidas, atingem um público vasto e, como se vê, produzem mobilização. Quando bandos e multidões depredam, incendeiam e se escondem em capuzes, isso não se deve à pobreza, exclusão, revolta para com a sociedade ou protesto pela injustiça social e econômica. É pura e simples violência descontrolada, rebanho enfurecido, tumulto.
No caso dos protestos na praça Tahir havia um objetivo político defensável e justo, que levou pessoas a certo tipo de consenso, as palavras de ordem representaram reivindicações, todas elas públicas.
Protestos desse tipo se dão no que Habermas chama de "esfera pública". Nela pessoas responsáveis, com informação e com sinceridade de propósitos, discutem, exercem o poder de comunicação. E esse poder é o de atos de fala que produzem troca de informação, com intenção de esclarecer regras e normas, propor mudanças, alçar a um patamar em que razões pró e contra são livremente discutidas.
Ameaçar, incitar, proibir são atos estratégicos que barram a possibilidade de responder com um sim ou um não, de entrar em acordo ou de discordar.
Nos regimes democráticos há liberdade de expressão.
A expressão de ideias, conceitos e mensagens é garantida pela liberdade de credo e de opinião por constituições em democracias modernas. Tampouco a liberdade de expressão artística poderia, por princípio, ser censurada.
Mas ela é regulada em nome dos indefesos (crianças, por exemplo). Há imagens, filmes, propaganda cuja veiculação é regrada, regras essas que são discutidas e depois são aceitas e praticadas. Isso não viola a liberdade de expressão e nem caracteriza censura.
No caso do cinema, filmes polêmicos, como o recente  "Serbian Film" e muitos outros que escandalizaram no passado como Bertolucci com "Último Tango em Paris" ou Godard com "Je vous salue Marie", acabam por levantar a questão da legitimidade ou da utilidade da censura.
Mas a questão não é essa e nem se resolve pela censura. A preocupação deveria ser antes a de educar, instruir, discutir valores, aprimorar os juízos estéticos. Censurar quando se pode ver de tudo pela internet?
A capacidade de usar a comunicação para veicular livremente ideias e conceitos deveria ser suficiente para condenar a incitação, pelos mesmos meios de comunicação, à violência. Talvez evitassem também o péssimo gosto.

Um comentário:

  1. Creio que seja interessante notar a nossa falta de competência em lidar com aquilo que choca ou incita o ódio. No caso do Serbian Film, vemos um grupo dizendo o que devemos ou não assistir, ao invés de simplesmente informar a faixa etária e alertar para o conteúdo. O filme é desconfortante em diversos sentidos, mas será que seria função do estado me poupar de tudo que pode me chocar? E se não me choca? Na verdade o alarde que a maioria dos países fizeram contra o filme, só gerou mais interesse. Eu soube de 3 casos espalhados pelo Brasil que utilizaram auditórios de Universidades ou pequenos cinemas para a exibição do filme seguido de debate com especialistas em cinemas e outras áreas. Fora isso, qualquer um pode fazer o download em qualquer site. A censura que já não faz sentido por outras razões, nesse caso, ficou mais evidente a incompetência.
    Por outro lado, vemos a força política das redes sociais e a inabilidade em usá-la. No caso de Londres, vemos um grupo causando todo tipo de dano ao patrimônio público e privado e que não tem a menor razão de ser. No final acaba sendo puro vandalismo. Temos um enorme espaço para expor ideias, mas poucos percebem a força e quase ninguém sabe usar, haja vista os farmville, cityville, etc. que é que mais chama atenção da maior parte das pessoas que usam redes sociais. Infelizmente, parece que o papel da Internet como espaço público de debate ainda não está bem claro, ao contrário do papel de entretenimento.

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