sábado, 6 de novembro de 2010

Educação infantil e literatura

O Conselho Nacional de Educação tentou, felizmente sem sucesso, recomendar a retirada da obra Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato (publicada em 1933) do rol de livros recomendados pelo MEC. Motivo: duas frases que ofendem a igualdade de raças. Na primeira, a comparação de Tia Nastácia com uma "macaca de carvão" e na segunda a pergunta da Emília (engraçada e espevitada boneca de pano, confeccionada pela própria Tia Nastácia, e que virou gente, pois é...) sobre se Tia Nastácia tinha sangue preto.
Relendo a história, que me encantou quando criança e que reli para minhas filhas, se compreende que se Tia Nastácia não subisse imediatamente no mastro de São Pedro, seria devorada pelas onças. A história é sobre uma caçada em que, encarapitados em uma árvore para fugir de uma onça, Pedrinho, Narizinho e cia. limitada, conseguem matá-la. Pedrinho joga pólvora nos olhos da dita cuja. Resultado: revolta da bicharada. Para se salvarem, os habitantes do sítio devem ficar no alto, em pernas de pau. Mas nem Dona Benta e nem Tia Nastácia conseguem. Na hora do ataque da "onçarada", Tia Nastácia sobe apavorada no mastro super liso, com a agilidade de uma macaca de carvão.
Monteiro Lobato se refere à Tia Nastácia, em inúmeras passagens e em todas suas obras como "negra", "preta", "beiçuda". Ela é a cozinheira (seus bolinhos são inigualáveis), conta histórias, protege as crianças, é amiga e companheira de Dona Benta.
Pois bem, uma coisa é resgatar para os negros oportunidade, proteger com legislação direitos iguais, punir o insulto racial. Isso é indispensável! Mostrar a violência do tráfico de escravos e como seus descendentes até hoje estão entre os mais pobres e com maior dificuldade de ascenção social, é, repito, indispensável.
Considerar que adotar um vocabulário politicamente correto, vetar literatura que na época estava a milhas de distância do policiamento exigido pelo "politicamente correto", é absurdo.
Um caso sui generis para que se reflita a esse respeito: a poesia de Cruz e Souza (1861-1998). Poeta negro, nascido de pais escravos alforriados, cuja obra faz parte do currículo escolar, é um dos expoentes da escola simbolista. Seu vocabulário poético faz referência a anjos, louro trigo, claras estrelas, puro, clarão sidério, luz, estrela, etc.
Hoje seria um poeta discriminado, pois não proclama sua negritude, sua origem, sua cor?!
Que tal pensar que igualdade talvez não seja o mais desejável e sim permitir em nossa sociedade a manifestação das várias vozes, das diferentes e diversas cores, produção artística, contribuições para a cultura que enriqueçam nosso vocabulário ao invés de policiá-lo?
Que tal proclamar a diversidade, lugares próprios de grupos e crenças, noções e valores que ressaltam essas diferenças?

2 comentários:

  1. Profª. Inês,

    também compartilho de sua reflexão. Proibição? Isso me parece um retrocesso, ainda mais para uma sociedade que se quer fazer de grande!
    Agora, uma coisa também me incuca: às vezes como é que se pode contextualizar alguns textos para crianças de 5, 6, 7... anos? Ou: precisa contextualizar? Agora? Ou em que tempo? Todavia, creio que, ainda, o melhor caminho seja a discussão, não o veto!

    Um grande abraço!

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  2. Oi Isaac, contextualizar para crianças pode ser através de exemplos, mostrar com figuras, situações, fazê-las reagir, e, principalmente, pedir que elas se ponham no lugar da pessoa ofendida, humilhada, desprezada ou que sofre preconceito.
    Interessante a respeito da cor, que marca toda uma história e toda uma cultura de um povo, a mais famosa apresentadora de TV americana, Oprah, se refere a ela mesma como "African American" e às vezes como "black people" para afirmar sua identidade e não camuflá-la.
    Um abraço
    Inês

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