terça-feira, 28 de outubro de 2025

Paradoxos, incertezas, impasses.

 Paradoxos se assemelham à dificuldade que o ditado popular expõe: "se ficar o bicho come, se correr o bicho pega", um impasse, sem saída.



O que fazer?!

Paradoxos se apresentam no sentido lógico, do raciocínio e são próprios à condição humana. Exemplos:

Paradoxo do pessimista: para se sentir bem, tem que se sentir mal, e o  contrário, ao se sentir mal, sente-se bem. Ao que tudo indica, o pessimista autêntico fica preso a essa encruzilhada.

Paradoxo da linguagem: para pedir silêncio é preciso falar algo do tipo: "silêncio", "quietos, por favor", etc. 

Paradoxo do mentiroso: ele não pode admitir que mentiu, pois isso seria dizer a verdade, e se disser que não mentiu, que diz a verdade, a mentira se torna verdadeira, o que é absurdo. 

Paradoxo da Filosofia: afirmar que a filosofia não faz sentido, que é perda de tempo, esse modo de argumentar conduz à necessidade de justificar, ao justificar necessitará usar de um raciocínio, portanto, filosofar. "Só sei que nada sei", esse famoso dito de Sócrates significa que ele sabe, sim, e que nada saber estimula à busca, às indagações. O que afirma tudo saber é empafiado, ninguém é sábio a ponto de julgar tudo e todos sem expor seus argumentos à luz da justiça e da razão. Sem justificativa, sem comprovação, os argumentos não se sustentam.

Paradoxo do descrente: "eu não acredito em nada", o cético acredita pelo menos nisso, sua crença em coisa alguma, se ele duvidar de tudo, precisará ficar imóvel, estático, ainda assim está sujeito a um acidente, incidente, um guindaste pode cair em sua cabeça.

Desse modo somos instados à certeza ou à incerteza? Há certeza matemática, certa medida pode ser conferida, aceita e aplicada com sucesso. A incerteza é a companheira do dia a dia, confiamos nos sistemas, na verificação de fatos, no nosso modo de interpretar sinais, os do trânsito, por exemplo, somos capazes de ler e entender mensagens, o que está por detrás do dito, aquilo que é pressuposto, do contrário não compreenderíamos o que certa informação comunica, implica e acrescenta ao que já se sabia.

Fazemos a leitura do mundo, do que nos cerca, daquilo que nos diz respeito e daquilo que não nos diz respeito, somos seres significantes. Quando diante de impasses somos levados a discernir, a escolher, a seguir adiante, ou, o contrário, acabamos por desistir da empreitada, buscamos outro caminho, criamos soluções.

As situações de perplexidade, de limite, de ineditismo são avaliadas, reavaliadas, novos caminhos serão percorridos. Foi assim que a humanidade criou, interpretou, conduziu, satisfez necessidades. Foi assim, igualmente, que a humanidade destruiu, arrasou, proibiu, escravizou, aniquilou. Em meio ao que não é possível de ser solucionado, becos sem saída, impasses, paradoxos, criou-se um mundo imaginário para além desse nosso mundo, como um consolo para nossa ignorância.



domingo, 12 de outubro de 2025

Inteligência Natural - Inteligência Artificial

 A Filosofia se faz presente em nossos dias muito mais pela capacidade de interpretar do que pela pura reflexão, pois esta talvez não baste para as tarefas que o filosofar nos impõe.

É o caso dos debates e das propostas em vários setores da sociedade e da própria vida humana que se dão em torno à inteligência artificial (IA). Ela é alimentada o tempo todo por impulsos autogerados, informações recolhidas por anos e anos de postagens, programas, reportagens, conhecimento científico, descobertas, enfim, todo um gigantesco material produzido por quem? Por nós mesmos, e que é acessado pela IA.

A IA não interpreta a não ser o que for informado, não vai além do que é dado, o que permite solucionar problemas, sugerir alternativas, facilitar o caminho de todo e qualquer um que precise de um cálculo, de estatística, de opção com investimento, de diagnóstico, de leitura de imagens, e mesmo de como se vestir, se comportar, reagir. Truth Terminal capacita investidores em mememoedas a ganhos cumulativos, até mesmo a plantar árvores e criar esperança existencial! Computadores conversam entre si, geram respostas automaticamente, produzem ações autônomas, poupam quem a eles recorre de tarefas repetitivas. Podem formatar a realidade com suas interações com a cultura humana, os mercados e as redes sociais. 




 Mas a IA não é consciente, sensível, não deseja nem quer nada, apesar de seus usuários entenderem que sim. A inteligência natural foi quem criou a IA...

Onde entra a Filosofia? Não tem a ver com informação, com descrições de acontecimentos, com a solução de problemas que impedem sucesso, nem aponta o caminho mais fácil para investir, não usa estatística nem amostragem. Filosofar é interpretar e buscar sentido, inclusive não encontrar sentido, vai à essência do que e de como somos, o que nos motiva, finalmente, o que estamos fazendo conosco?

Incrível que bilhões de seres com seus próprios discernimentos habitem o planeta, que expandam seus limites com produtos e artefatos capazes de exterminar a vida e outros tantos de conservar a vida, que usem seu entendimento e sua sensibilidade para produzir a mais nobre arte e o mais prejudicial lixo. 

Em termos metafísicos, os seres humanos sofrem, se angustiam, se comunicam, buscam por sentido e realizações, anseiam por liberdade, autonomia, almejam serem educados o suficiente para dar razões de seus atos. Em nosso horizonte deveria haver a busca permanente por abertura, alçar voos, que não precisássemos sentir culpa, eleger deuses, cultuar mitos. Nem atrelar esses pleitos à IA.

A inteligência natural é capaz disso tudo, o filósofo abre essa porta, aventura-se nela, as possibilidades do Ser são inesgotáveis. Ao interpretar o que a tecnologia nos oferece, com seu acervo de ideias e conceitos, de projetos e de compreensão das consequências, a filosofia pode e deve mostrar que a responsabilidade é inteiramente nossa, de nossos representantes, de organizações, e, mais do que tudo do estado democrático de direito. Sem ele nos sujeitaríamos ao arbítrio, ao terror, às manipulações. Até mesmo a uma distopia em que máquinas inteligentes substituiriam a inteligência natural.

sábado, 4 de outubro de 2025

Sobre o orgulho

 Quando se reflete sobre o orgulho, é preciso fazer uma importante distinção. "Ele é orgulhoso" tem sentido diferente de "Eu tenho orgulho de você". No primeiro caso em geral se refere a alguém presunçoso, que se tem em alta conta, olha para o mundo e para as pessoas de cima a baixo, como se habitasse o mais glorioso posto, um olhar que humilha, que constrange. Algo moralmente inaceitável.

No segundo caso, ter orgulho do feito de alguém, feito este que engrandece, que enche o coração de um pai ou de uma mãe, de um professor, de um chefe, diz respeito a uma conquista, a uma tarefa bem executada, serve de estímulo, mostra sinceridade em seu juízo. O orgulho neste sentido é uma virtude ética, sendo uma virtude e como tal, uma disposição de caráter, que depende apenas da própria pessoa, esta se responsabiliza pelos seus atos, afirmou Aristóteles. Para distinguir os dois sentidos, "o orgulhoso" de "tenho orgulho de você", no primeiro caso há excesso, soberba, vaidade, pode ser considerado "como uma espécie de 'vaidade oca' e a deficiência como uma humildade indébita", segundo Aristóteles. Ao passo que avaliar positivamente certo ato, cabe dizer "eu me orgulho de você ter agido desta ou daquela maneira", mostra satisfação, acolhimento.

Note-se que no caso do orgulhoso, está em jogo o caráter. O orgulhoso precisa de público, precisa de bajuladores, precisa de serviçais. Em contraste, produzir o justo orgulho em alguém, os valores mudam, resulta de uma tarefa, mesmo modesta, que foi cumprida, satisfez quem executou e aquele que solicitou a tarefa, como um pai/mãe que tem orgulho de seu filho/filha, há atenção, cuidado, apreciação justa.

O amor à simplicidade de que fala Sêneca (4-65), nem o banquete, nem as roupas suntuosas, nem esperando a glória e sim o que se encontra com facilidade, o que está à mão, o que não produz inveja, e que está longe de cobiça, são valores que servem de contraponto ao desejo de glória do presunçoso. O mesmo Sêneca pede que não invejemos os que estão acima, em um cume, pois o cume nada mais é do que a beira de um abismo, importa fixar um limite para as ambições. 

Para Montaigne (1533-1592), sobre o falso orgulho ou presunção, ele diz: "ter-se em alta conta, a opinião demasiado alta que têm de si mesmos, estas são pessoas que não se conhecem, nem sabem como mover aquilo que elas próprias movem, nem decifram seus impulsos". São pessoas que se lançam como se fossem máquinas possantes, que vão moendo tudo à sua volta, sem olhar para os lados, e, principalmente sem olhar para dentro de si. 

Em sua verve crítica, Voltaire (1694-1778) expõe dois modos de se orgulhar: que um juiz sábio se orgulhe de seus feitos, que um governante justo se orgulhe de suas ações, é muito diferente de "nos confins de uma de nossas províncias meio bárbaras um homem que houver comprado um cargo insignificante e feito imprimir versos medíocres decida estar orgulhoso, eis o que dá matéria para rirmos longamente" (in: Dicionário Filosófico).

Como se pode notar, o orgulhoso se reveste de poder e se investe de poder, de muito poder, talvez sem merecimento, nem sempre concedido, e mesmo quando concedido, o poderoso esquece de onde proveio um tal poder, como seu uso magnânimo seria razoável e esperado, sua proporção, sua distribuição idem. Além disso, deveria levar em conta, que cargos são efêmeros, sempre haverá outro para ocupar seu lugar. O trono tem seu preço, o brilho, o olhar, o sorriso de autossatisfação podem desaparecer como se retira uma máscara. 



Orgulho ou soberba

Finalmente, a condição humana, somos mortais, o que é mais precioso legar? Algum fruto, por menor que seja, o exemplo, a capacidade de dotar-se com certo distanciamento, desprendimento, humildade.  

"Humilha profundamente o teu orgulho, porque o que espera o homem é a podridão" (Eclesiastes. 7.17.35).

Radical, não?