"Fui instruído a matar pessoas até que todos se convertam ao Islã", palavras de um guerrilheiro talibã. Em 2021 a guerra no Afeganistão acabou, os americanos voltaram para casa, e recomeçou o sofrimento da população sob o regime do Talibã.
No período anterior, a única prefeita em todo o país, Zarifa Ghafari, assumiu a luta em Maidan Wardak pela educação das meninas, proibida pelo regime; ela própria saía de casa às escondidas para completar seus estudos. No cargo, sempre cercada por homens, seu motorista a conduzia de Cabul até a cidade de Maidan, diariamente, enfrentando no caminho grupos armados de talibãs. Acusada de imoralidade, ameaçada constantemente, ela lutou pela liberdade de expressão no âmbito do Islã.
Zarifa Ghafari
Armados, os talibãs impõem a lei da Sharia pura, cortar a mão de ladrões, apedrejamento de mulheres até que não mais cometam fornicação. Deus diz para matar os infiéis sem hesitação, como foi feito em 1999 em um estádio de futebol, cena que ficou na memória de Zarifa. Vestida com burca azul, uma mulher é fuzilada em meio ao silêncio, apenas o ruído do tiro e do corpo que tomba.
Zarifa considera a educação uma libertação, precisou enfrentar até seu pai para ir à universidade. Seu trabalho foi reconhecido pela ONU, homenageada com o prêmio "Mulher de Coragem". O próprio pai acabou assassinado na frente de casa como vingança contra ela. Melhor morrer, diz ela, do que casar com um talibã. Uma bomba explodiu em escola feminina em Cabul, para onde Zarifa foi transferida.
Após 2021, com retorno do Talibã ao poder, houve fuga em massa, aeroportos cheios, pessoas correndo atrás de aviões que eram escalados para sair do país. A própria Zarifa se refugiou na Alemanha, "agora não tenho nada", disse ela. Mulheres marcharam pelos seus direitos, mas o regime autoritário e implacável prevaleceu, a promessa das escolas para as meninas não se cumpriu, há fome, pobreza, vício, empresas abandonaram o país.
Zarifa prossegue sua luta, o Afeganistão é um país pobre, tiranizado, e, como ela diz, o povo afegão foi condenado a viver no inferno.
Com suas mãos e pés queimados e retorcidos, Zarifa aparece com luva em algumas cenas do documentário, em outras os dedos cheios de cicatrizes ficam evidentes. O que teria acontecido? Permanece o mistério.
Em nome de divindade se cometem atrocidades. Impedidos de olhar os outros, com o sectarismo entranhado em sua cultura, é como se houvesse dois reinos separados, um o dos homens, outro o das mulheres. Quem fez essa observação foi Ruth Pfau, mencionada neste blog, a respeito do Paquistão.
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Obs.: Disponível na Netflix o documentário "Em suas mãos" sobre Zarifa. Como reforço vale ver a história verídica da fuga de uma mulher mantida em cativeiro em aldeia do Paquistão em "O Diplomata" (2025).