segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O que é pragmatismo?

O jornalista Luís Fernando Veríssimo escreveu em sua coluna há algumas semanas, que "pragmático" virou sinônimo de algo sujo. De fato, o termo vem sendo usado para designar pessoas, em geral políticos, que agem sem nenhum escrúpulo, em seu próprio benefício, sem prestar contas, passando por cima de procedimentos legítimos e legais.

Levar vantagem em tudo, esse foi o mote de uma campanha de cigarro na TV, na época em que fazer propaganda de cigarro ainda não era proibido. O jogador Gérson bate com um maço de Vila Rica na cabeça e diz:"É preciso levar vantagem em tudo", o que ficou conhecido como "lei de Gérson". O próprio ex-jogador abomina essa propaganda, não se conforma com o juízo de valor que ficou colado a sua imagem.


Em filosofia pragmatismo é uma corrente filosófica que nasceu no final do século 19, com uma intenção muito diferente!

Pragma no grego significa ação, trata-se de uma filosofia voltada para a prática, é a ação e os resultados produzidos que importam, muito mais do que conceitos abtratos como mente, ideia, abstração. Se temos uma mente, não é porque somos seres espirituais presos a um corpo, mas é porque temos uma inteligência que evolui junto com necessidades práticas de se haver no mundo, lidar com situações problemáticas, que exigem solução.

O conceito de verdade de W. James é uma crítica à concepção de verdade como cópia da realidade. Se há na parede um relógio cujos ponteiros estão parados, a pergunta é por que razão? Alguém esqueceu de trocar as pilhas, vale a pena consertar? E não, vejo um relógio e tenho a imagem dele na minha mente e isso é verdade.

Para J. Dewey, as coisas têm uma natureza interconectada, elas se relacionam de um modo que requer resposta, reação, que visam resultados, importam as consequências da ação. O que vale nesse processo é o uso inteligente da experiência, o que foi aprendido ao longo de gerações. A ação eficiente, que experimenta as diversas situações e lida com elas, vale mais do que a contemplação das ideias. Ao invés de construir castelos no ar, diz Dewey, é melhor construir casas adequadas à vida de seres humanos com suas necessidades concretas.

A ação é transformação constante, melhoria de nossas condições, em educação, em moral e em política. Não há democracia sem educação, nem educação sem democracia, afirma Dewey.

Portanto, pragmatismo filosófico é o oposto do político maquiavélico, aquele que usa dos bens públicos para atingir seus objetivos, seus fins de sucesso pessoal a qualquer preço. Assim, passam por cima da democracia, um regime aberto em que se deve dar satisfação ao público de todos os seus atos.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Foucault e o conceito de loucura


Em sua tese de doutorado A História da Loucura na Idade Clássica ( 1961), Foucault trata de um tema estranho à academia e que inova no modo de abordar a loucura. Ele a situa na história a partir do século 15, até o tratamento asilar que surge em fins do século 18 e que se transforma no hospital psiquiátrico moderno.


O rosto, os gestos e atitudes da loucura sempre foram reconhecidos, mas o modo de "tratar" e de lidar com a loucura sofreram transformações que seguem ou são criadas por diferentes necessidades sociais e econômicas. Nem sempre o louco foi percebido como doente mental, alvo de intervenção médica. A "Nau dos Loucos" no fim da Idade Média (quadro acima de Bosh), percorria os portos e ora deixava essas estranhas figuras para serem encarceradas, ora seguia com elas de porto em porto, sem que representassem uma ameaça à razão ou à ordem social. Isso só aconteceu mais tarde, com a criação do Hospital Geral, que como o nome indica, encarcerava doentes, vagabundos, loucos. Os mais violentos eram presos a correntes, o chão era feito de tábuas vazadas para que as fezes caíssem na palha.


Prender ou não e quem prender, dependia da falta ou excesso de mão de obra. Olhar e intervir no Hospital Geral se deveu, em parte, aos protestos de presos políticos da Revolução Francesa, que exigiam tratamento diferenciado daquele dado aos pobres e delirantes. Finalmente os loucos foram separados dos demais. Na França, Pinel inaugura o asilo, o mesmo fez Tuke na Inglaterra. A obediência, o rigor disciplinar, o poder do médico de acalmar o doente, fazer com que ele reconhecesse seu "erro", olhar a si mesmo e acabar por admitir que delirava, voltar à realidade, tudo isso põe a loucura num novo patamar, o do olhar objetivador, médico, científico. O louco é libertado das correntes e preso a um novo ordenamento de saber: a loucura se torna doença mental.


O passo seguinte para as instituições psiquiátricas que combinam a hierarquia do asilo com choque, química e intervenções cirúrgicas foi o que o próprio Foucault verificou, logo após se formar em filosofia pela Sorbonne, quando foi voluntário no Hospital Sainte-Anne.


O sofrimento do doente, o internamento, como tratar, se há tratamento, o que é doença mental, como diagnosticar, todas essas questões são hoje levantadas. Não há resposta clara. Há um lado trágico da loucura presente nas obras literárias, na pintura, no cinema. Há outro lado em que se pretende enquadrar como doença sujeita a algum tipo de intervenção.


Em suma, pouco sabemos, somos confrontados com pessoas e seu sofrimento. A situação é melhor quando se recusa o conceito de loucura e se prefere o de doença mental? O que é o físico e o mental? O que é comportamental e o que é experiência pessoal? Com tantas dúvidas, que se tenha, pelo menos, cautela. Para Foucault são acontecimentos na ordem do saber que têm efeitos de poder.