domingo, 17 de novembro de 2024

O preço da civilização

 

Para concluir esse passeio pela obra de Freud, "Mal-Estar na Civilização", (Kultur) ou na "Cultura" , como se traduziu para o português, a visão do psicanalista é pessimista. Houve evolução no domínio da natureza, mais belos parques, asseio, ordem, criações do espírito humano. Mas, a justiça e o direito sacrificam os indivíduos em nome do todo. Os instintos e as pulsões são sublimados nas atividades mais elevadas, ciência, arte, ideologia, quer dizer, a civilização cobra o preço da renúncia aos prazeres, reprime, sublima e recalca. 

Evoluímos desde as sociedades primitivas, cabe ao homem o trabalho, à mulher cuidar das crianças, a satisfação com o amor genital, que se tornou central, levou a uma concepção ética de amor universal e sendo universal é injusto por não permitir escolha e, além disso nem todos os seres humanos são dignos de serem amados. A família conjugal restringe o amor e a vida sexual, e cada vez mais a esfera cultural se impõe com tabus, leis e costumes. Restrições impostas pela civilização que legitimam o amor heterossexual em prejuízo do prazer. Amor ao próximo? O próximo muitas vezes não é digno de amor, mas de hostilidade, sem o mínimo de afeição e consideração. O instinto de agressividade leva a "infligir sofrimento ao outro, martirizar e matar". No ano em que Freud afirmou isso, o mundo já conhecera o morticínio da 1a. Guerra Mundial. O postulado comunista de que a fonte de todo mal reside na propriedade privada, e de que o trabalho seria plenamente satisfatório, parece a ele "uma ilusão sem nenhuma consistência".


A grande fome na URSS (Holodomor)

E mais, intolerância, antissemitismo, a realização do sonho germânico de supremacia mundial, o comunismo soviético e seu pressuposto de eliminar a burguesia, todos esses pesados sacrifícios mostram que a civilização não nos torna melhores nem mais felizes. Quanto às sociedades de massa, elas nos beneficiam ou ameaçam?

O princípio de prazer conserva o eu que vence com alto custo, o da luta do narcisismo contra a libido dirigida ao objeto. A pulsão agressiva pode se voltar contra o eu, masoquismo, ou sadismo que é a destruição do outro. Bondade divina juntamente com a ameaça do mal.

O entrave mais poderoso da civilização é o instinto primitivo de agressividade. Eros reuniu indivíduos, tribos, nações, a própria humanidade, "mas a pulsão agressiva natural aos homens, a hostilidade de um contra todos e de todos contra um, se opõem a este programa da civilização".

As exigências morais, a angústia, a autopunição, essa espécie de autoridade interior da consciência leva ao sentimento de culpa. O Eu infantil submetido à agressão do Pai, a criança se vinga dessa agressividade, nascem a consciência e forma-se o Super Ego. 

Quanto mais civilização, maior o sentimento de culpa e a perda da felicidade. O indivíduo busca realizações, mas a sociedade o restringe. O Super Ego individual, se defronta com o Super Ego da civilização com seus ideais e obrigações, essas exigências resultam em neuroses. Revolucionários ou conformistas, ambos pretendem sustentar suas ilusões. 

Freud afirma que não é profeta e nem consolador. Se ele pretendesse a um ou a outro desses papéis, estaria se contradizendo. Do ponto de vista psicanalítico, não há escapatória: Eros imortal em luta contra seu adversário, também ele imortal.

***

Nessa luta de gigantes, vamos nos "virando", por assim dizer. 

PS: outros gênios da arte, da ciência, da filosofia interpretam nossa trajetória de forma diferente. Há que dar lugar em nossa "estante" para eles também...

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

A felicidade segundo Freud

Na postagem anterior a felicidade se mostrou impossível. Apesar disso, ela é almejada como se lê em Freud, O Mal Estar na Civilização (1929). Freud não pretende provar nada e sim apontar para aspectos psicanalíticos, é claro. O sentimento do Eu tem limites precisos, se prolonga no Si, quer dizer, o Eu se altera com relação ao mundo ao sair do seio materno e pela primeira vez entrar no mundo, princípio de realidade, do qual é preciso se defender; para tal o Eu exclui o exterior. Esses elementos da vida psíquica se conservam.


Sigmund Freud,1856-1930, médico neurologista, pai da psicanálise

Os sentimentos religiosos são necessidades poderosas, remetem à nostalgia do pai, sua proteção, sentimento infantil de dependência. A vida é pesada e dura, cheia de obrigações, daí a busca por sedativos que são a diversão, satisfação com drogas e outros meios que nos tornam insensíveis. Qual a finalidade da vida? Acima de tudo a finalidade é buscar a felicidade, as fontes de prazer, o que Freud chamou de "Princípio de Prazer", evitar a dor, obter satisfação plena. A religião é uma dessas fontes. 

Porém, a infelicidade vem do que é inevitável, a decadência do corpo, a pressão de forças externas e as relações com os outros. Com que meios reagir? Mergulha-se no prazer, foge-se da realidade, usa-se alguma droga. Para evitar as preocupações, o fardo da realidade, busca-se refúgio num mundo à parte que possa dar melhores condições para a sensibilidade, usar defesas como praticar ioga, sublimar os instintos, por meio da arte, resolver um problema científico, descobrir verdade, e o mais eficiente, trabalhar. O trabalho funciona na "economia da libido", é também uma questão obviamente de sobrevivência que agrada a uns e que para muitos não passa de obrigação.

No esforço para obter felicidade e fugir da infelicidade, em outro contexto, o amor, amar e ser amado, retorno ao prazer infantil. O problema são as decepções. Outra via é a beleza, mas a satisfação pela arte é passageira. Freud entende que a psicanálise pouco tem a dizer sobre a beleza. 

Restam quatro tipos de inclinação, ou melhor, sublimação dos instintos: o erótico, o narcisista, o homem de ação e a fuga pela neurose ou psicose. Já deformar a realidade como se fosse um sonho, papel da religiões, deformação quimérica da realidade, é um delírio, menos para os que creem. Em todas aquelas inclinações, a religião interfere ao impor um só caminho, o da imunidade ao sofrimento, a submissão às exigências da crença que serve como último e único consolo e alegria.

E a civilização? As instituições que poderiam nos trazer proteção e realização, não trazem e pior, foram nós mesmos que as instituímos. A civilização está na origem das neuroses. Os domínios técnico e científico como fontes de prazer ou satisfação, não nos tornam mais felizes.

Por quais razões? Fica para a próxima postagem.

sábado, 2 de novembro de 2024

"A felicidade não se compra" - ditado popular.

O ditado acima pode também ser interpretado como, "o dinheiro não traz felicidade". Ambos os ditados saíram de moda. 

No mundo corporativo pode-se entender felicidade como algo que pode ser posto no balcão de negócios. Há até mesmo congresso de felicidade, com palestrantes de amplo alcance, benzedeira/rezadeira; curandeiro; comunicadores; psicanalistas; professor de música; profissionais de clínica mental. Impressiona o leque de especialistas capazes de aconselhar e atender a expectativa do vasto público presente. A intenção evidente é obter resultados, resultados que contrariam o ditado popular de que dinheiro não traz felicidade. Não que a falta dele de algum modo tivesse o efeito contrário. Pobreza não é infelicidade, pobreza é sofrimento, desgraça. 

Felicidade no mundo dos negócios é felicidade corporativa. Essa felicidade é vista como impulsionadora de cultura e de resultados, como se lê no chamamento de palestrante financiado pela Heineken do Brasil. 

Que tipo de felicidade, então, o dinheiro, ou melhor, os investimentos produtivos impulsionam? Os negócios. Mesmo porque, sem patrocínio, seria inviável convidar tantos palestrantes.

Isto posto, sem pretender de forma alguma que iniciativas como esta, de um congresso de felicidade, não devam ou não precisem ser patrocinadas. Uma coisa leva à outra. Não se está aqui criticando o capitalismo como selvagem, ceifador, destruidor, malévolo. Em termos de economia, emprego, bem-estar, ao mesmo tempo, luta por trabalho digno e sobrevivência, age o mercado que segue demandas e, é até certo ponto controlável por governos sérios e responsáveis.

Tudo muda quando se olha por outro prisma, simplesmente a vida das pessoas, seus valores e sentimentos, projetos e necessidades.  

Quem sai para trabalhar ainda de madrugada, de ônibus, muitas vezes lotados, trabalha oito horas e volta cansado/a, dinheiro é apenas questão de sobrevivência.

Para a maioria dos filósofos, a busca da felicidade é uma farsa, um engano, uma ilusão. A vida não conduz à supressão dos desejos, e nem permite suprimir os impulsos, impossível anular os anseios e a vontade, vontade disso ou daquilo. O não ter algo, o não ser algo que se quis, que se quer ou que se desejaria ser ou ter. Impulsos nos movem, os motivos ficam trancafiados em caixas, por vezes são tantos e tão díspares que é preciso um container. Nossos sótãos e porões se enchem com dúvidas, incertezas, surpresas, realizações e frustrações que são acomodadas nos espaços apertados desses sótãos e porões.

Para trazer tudo isso à tona, para evidenciar que não poderia ser de outro modo, que é preciso aceitar isso ou aquilo, sofre-se verdadeiros abalos emocionais. Paixões, medos, desejos nos curvam. Sucumbir ou superar, negar ou aceitar, absorver e saber lidar, são percursos que aliviam. Mas não trazem felicidade.

Como entender que alguém levante e se arrume para o serviço, tome um ônibus, cochile ao lado do colega de trabalho, no caminho seja atingido por um tiro na cabeça?

Os filósofos que pensam a existência humana como luta e sofrimento, chamados de pessimistas, olhariam para o crime organizado, para Gaza, para a Ucrânia, para ruas com carros amontoados em meio a um lamaçal, diriam ironicamente, cadê a tal felicidade? 


segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Os perigos do conservadorismo

 Está em alta pessoas e personalidades dizerem alto e bom som: "sou conservador", "sou conservadora".

Ao enaltecerem esse conceito, que é tanto político, como moral e ideológico, dão demonstração de que elas, e apenas elas, estão do lado certo, do que é direito e do que deve ser seguido, cegamente.

Esse é o problema principal desta postura, considerar que não há verdade, nem bem, nem consideração pelo que outras posições preconizam. Há um só e verdadeiro lado, este que eu vos anuncio. E entram aí temas e questões sociais, pessoais, de credo religioso, de partido político, tais como ser favorável à vida, educar para saber empreender, como se essas bandeiras fossem sagradas, ou melhor sacramentadas. Alguém é favorável à morte?!

A falta de visão do todo de uma sociedade, de seus recursos, de seu funcionamento político e jurídico, tem a intenção nunca confessada, de arrebanhar, quer dizer, de colocar as pessoas dentro de um círculo mágico de redenção de todos os pecados, como se discursassem de um púlpito e estivessem trazendo a boa nova.

Esse modo de driblar as consciências, de influenciar, precisa dispor todos como que em bando, pois apenas quando em bando as pessoas seguem seu líder. Algo próximo à doutrinação, se um lado for o detentor da verdade iluminada, isso coloca todos outros como sujeitos ao gueto, à sarjeta, o que fica evidente no tom de bravata com que anunciam as suas "verdades". Isso é o conservadorismo.

O conservadorismo, portanto, é muito diferente, por exemplo, de um partido político atuante no parlamento inglês, em que liberais e conservadores se defrontam e se sucedem no poder, sem precisar colocar o seu adversário no lado "errado". Ora, é isso o que o conservadorismo precisa para se impor, entender que os outros são sempre falhos.

Em sociedades multifacetadas, a representação é igualmente multifacetada. Há um nome para isso, democracia, ouvir todas as vozes o que só é possível em regimes democráticos, cuja constituição elaborada por parlamentares é o guia, o farol que os próprios responsáveis não podem e nem deveriam poder ofuscar.

Posar de santo ou santa, considerar que pautas de um conservadorismo tacanho, ainda assim perigoso, pode prevalecer, ou melhor, segundo esses conservadores, deve prevalecer, é o mesmo que entronizar nas democracias o fanatismo. O tom profético fala por si, o sorriso benfazejo disfarça o fim doutrinador.

Isso é exagero? Lições da história mostram que não: nazismo, fascismo, comunismo, terrorismo, e, muitas vezes sem a violência explícita, por meio de doutrinação. Venha de que lado vier, a doutrinação prepara o futuro ideólogo e perpetrador.



Menino soldado

domingo, 13 de outubro de 2024

O que é cinismo?

O termo "cinismo" tem origem grega, se refere à forma adjetiva de cão  (Kynismus), comportar-se como cão não significava algo ruim, pejorativo e sim vida simples, desprendimento de poder e de riqueza. No sentido usado comumente e que é pejorativo, "cinismo" significa pessoa despudorada, que ofende a moral, com falta de vergonha, alguém descarado. Enfim, nada nobre, nada enaltecedor. Como os cínicos desprezavam a seriedade e a responsabilidade, foram essas características as responsáveis pelo sentido negativo do termo.

Muito ao contrário,  no sentido antigo da escola filosófica, o cinismo do século 4o. a.C. era um modo de vida. O cinismo não legou escritos, seu modo de ser e de pensar foi enaltecido principalmente pelos filósofos estoicos. O representante principal da escola cínica foi Diógenes, que vivia totalmente desprendido de riqueza, de honra, de aparência, nada de bens materiais, uma vida mendicante, até mesmo a nudez era uma maneira de manifestar seu modo de vida anticonvencional. O comportamento deveria mostrar por si só o que ele pregava e como agia de acordo com o que pensava.


Diógenes nu em seu barril, com a lamparina à procura de um homem honesto.

A escola perdurou até o século 3o. a. C., perdeu força e se reavivou no início de nossa era, apesar de em Roma ser considerada pouco adequada. O representante principal no século 1o. foi Demétrio e no século 3o. Peregrino. O cinismo influenciou o estoicismo e foi exemplo para o modo de vida monástico, totalmente desprendido, com renúncia à riqueza e bens materiais. O objetivo do cinismo era pedagógico, servir como modelo para educar os jovens. Na política defendiam 
a igualdade social, o retorno à natureza e o cosmopolitismo, quer dizer, o mundo é um só para todos que nele habitam. 

Mais do que uma escola filosófica, o cinismo era uma atitude de vida, vida desprendida, com desprezo pelas convenções sociais. As atitudes firmes seriam benéficas em épocas de crise para conseguir se manter em meio às adversidades, não desesperar-se. O que poderia ser alcançado tanto por uma vida ascética como por uma vida de prazeres, hedonista, aproveitar o aqui e o agora, pura e simplesmente. Essas atitudes poderiam servir de exemplo para enfrentar crises, em um sentido moral.

Como assim, moral? Vida crua, exibindo-se nu, passando frio, vivendo de esmolas como Diógenes?

Que moral seria essa? Alguns podem pensar ser justamente um comportamento imoral. Ora, atentem para os termos "comportamento" e "imoral". Não havia essa noção de comportar-se, seguir as regras da sociedade, muito menos imoral, um adjetivo que antecipa juízos para se referir a algo supostamente condenável. O cinismo visava a crítica dos que cuidavam da aparência, mas que no fundo são hipócritas. Desnudar-se era simbólico, ao mesmo tempo que exibir o total despojamento levaria a refletir sobre os valores que nos movem. Hoje, perguntar quais valores nos movem sem uma referência como a de Diógenes nu em seu barril, não passa de pura especulação. 

O cinismo, então, levaria a uma reflexão, o que nos move? A aparência, no caso de Diógenes, exporia a essência de uma forma de vida, exemplar. Na situação atual a essência é muitas vezes o que mostramos, como aparecemos para os outros, isso é o que mais importa.

domingo, 6 de outubro de 2024

Filosofia e Inteligência Artificial

 A inteligência artificial modificou nosso modo de comunicar, interagir, pesquisar, produzir, diagnosticar e prevenir doenças. Verdadeira revolução possibilitada pelo uso de bilhões de dados combinados entre si com resultados extraordinários, assustadores e sem volta atrás. 


Programada para calcular, pode resolver todo tipo de questões?

Algumas dúvidas e questionamentos são inevitáveis: a IA vai substituir pessoas? Em quais setores e atividades? Nosso modo de pensar, de raciocinar será conduzido pelas máquinas inteligentes? Quem tomará decisões e em quais setores? Haverá meios de evitar que valores humanos sejam relegados a segundo plano e que nos deixemos guiar por soluções algorítmicas?

Na hipótese de uma máquina alimentada com as ideias de filósofos clássicos, o resultado será uma nova vertente, um novo "filósofo"? Se isso for possível, qual a importância e o crédito que essa doutrina receberia? Essa nova corrente permitiria inferir reflexões plausíveis a ponto de serem publicadas e supostamente transmitidas? Neste ponto tem-se que parar e concluir pelo absurdo dessas suposições.

Arte, filosofia, literatura, poesia, mesmo com suficientes e acertadas informações, resultariam em algum tipo de pensamento filosófico, um romance com enredo arrebatador, poesia com fluxo estético? Creio que não.

Aos pedidos para um robô desses super inteligentes para elaborar um poema sobre a tristeza ou sobre a alegria, sobre a beleza, sobre o carinho materno, sobre o coração iluminado por uma súbita revelação, teríamos algo satisfatório? Aos programadores da IA esse tipo de questionamento poderia ser considerado e resultaria em algo interessante, mas seria perda de tempo, pois não são esses os objetivos visados por eles. Programar visa buscar soluções, resolver problemas. 

Imaginação, criatividade, reflexão, criação de ideias, questionamento de valores, são características de nossa humanidade, quer dizer, próprias da condição humana que não se resume em soluções inteligentes. Até mesmo para planejar e construir, inclusive as próprias máquinas com seus bilhões de dados, são necessárias a experiência, a formação e a engenhosidade. Um arquiteto é insubstituível. A mão do homem, sua inteligência e criatividade permanecem com seus múltiplos usos, significados, gestos, apelos. 

Essas são reflexões filosóficas, sim pois filosofar une pontos dispersos, mostra caminhos, permite visualizar o todo, entender o sentido da vida (ou não), as peculiaridades históricas e culturais, lançar um olhar sobre o burburinho de bilhões de pessoas em sua fantástica diversidade. Um polo de alta tecnologia de um lado, um povoado isolado numa floresta, de outro; conflitos, divergências, violência, guerras absurdas e ao mesmo tempo inevitáveis de um lado, de outro os meios para obter tranquilidade e segurança. Permeando tudo isso, o poder em seus vários espectros.

O quadro multifacetado da existência até pode servir para alimentar a IA. Mas nunca para compreender, avaliar, dar sentido a essa existência.

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

"Décadence sans Élégance"

 A expressão do título deveria ser decadência com elegância, é usada para se referir à decoração que apresenta estilo fora de moda, mas que atrai o olhar. É também conhecida a canção de Lobão sobre pessoas fúteis, em declínio moral, e que ainda assim, conservam certo charme.  Como seria sem elegância? 

A mais famosa filósofa brasileira, Marilena Chauí, em recente entrevista produziu celeuma, aplauso de uns, indignação de outros. Afirmou que para seu livro sobre o nascimento da Filosofia Cristã, proclamado por ela mesma como livro anticristão, não consultou nenhum autor cristão, pois eles fazem apologia do cristianismo. Seguindo essa "lógica ", nenhum marxista deveria pesquisar sobre Marx.

Em recente palestra (13 de agosto), Chauí afirmou que sente agonia quando um motorista do Uber lhe diz, "fica com Deus", e se desespera com a "irradiação" do cristianismo na sociedade. 

A teoria do Big Bang, a que ela se referiu como única explicação, e espero que não intencionalmente, como Bang Bang, excluiria e condenaria o que diz a crença religiosa cristã, de que Deus é o criador.


A grande explosão, uma teoria.

Ora, essa é uma lamentável confusão ideológica, histórica, cultural e filosófica. A ciência comprova por meio de verificação, hipóteses e teorias. Ptolomeu, Copérnico, Galileu, Heisenberg, Einstein expuseram e comprovaram suas teses,  paradigmas foram rejeitados e o atual paradigma está aberto para verificação ou falseamento.

Ao passo que religiões são questão de crença e não de comprovação. O cristianismo surgiu como movimento cultural ali pelo século 2/3 de nossa era, justamente, era cristã. A doutrina, os dogmas, ensinamentos, obrigações e deveres foram transmitidos pelos padres da igreja, por conventos, instituições doutrinais, movimentos católicos, protestantes, criação de universidades.

Regimes autoritários perseguiram e perseguem religiões. Não é o caso do Brasil nem de país algum onde há liberdade de culto. Liberdade de culto e pesquisa científica não são excludentes. Um cientista pode pesquisar, avançar em seus estudos, sem precisar abrir mão de suas crenças. 

Há autores cristãos como Étienne Gilson, com importantes estudos sobre Santo Agostinho,  Santo Tomás, São Boaventura, para citar alguns expoentes da filosofia cristã. 

Impossível negar a importância do cristianismo em toda a cultura Ocidental. Michel Foucault, um ateu, diagnosticou a herança profunda de noções que formam nosso ethos, como alma, pecado, confissão, queda, redenção, salvação, em obra publicada postumamente Confissões da Carne.                 

"Decadência sem Elegância" de uma filósofa que menospreza toda uma cultura. O ateísmo é uma postura filosófica, coerente. Mas o anticristianismo é uma postura ideológica, decadente, obscura, sem charme. 

O motorista do Uber que desejou "Fique com Deus" demonstrou respeito, educação e benevolência.