Sentir a vida, o ser palpitando no corpo, nas sensações e na percepção do infinito, do zênite, tentar alcançar o inalcançável, saber que é inalcançável e mesmo buscá-lo, esse é nosso feitio, procuramos decifrar, inventamos meios incríveis para nossa adaptação, subitamente nos deparamos conosco, feitos de carne, osso, de mente e de ação, fracos, frágeis, ao mesmo tempo fortes, imbatíveis.
A perfeita sintonia com uma crença profunda que não requer resposta, que se basta, encontrar a beleza no voo de um beija-flor, nos primeiros passos da criança, arrepiar-se com o badalar de sinos, por vezes, raras vezes, somos capazes de experimentar o êxtase, um estado em que corpo e mente se confundem, se harmonizam, se conjugam.
No êxtase místico a ênfase é na religiosidade, na espiritualidade, trazer para si o divino. Um dos exemplos mais notórios é o de Santa Teresa d'Ávila (século 16), seus escritos "O Castelo interior", "O Caminho da Perfeição" narram as experiências de êxtase místico, profunda união com Deus. Santa Teresa fundou várias ordens mendicantes, em suas orações sentia-se levitar.
O êxtase de Santa Teresa , obra de Bernini, século 17
No êxtase estético a ênfase é na harmonia encontrada em obras de arte, a estátua de mármore que parece palpitar como se de carne fosse; a música vibrante de uma orquestra no momento em que entra a soprano; o nenúfar no lago de Monet; o pairar no ar de um pas de deux ; o ângulo de um arquiteto que recria um ambiente.
O êxtase produzido pela natureza, como o vislumbre de uma brecha que descortina a paisagem; o dia que surge, a escuridão que cede à claridade; o som da queda d'água que aos poucos se torna nítido, mais alguns passos ei-la; o horizonte marinho, encontro de céu e mar.
Recepcionar isso tudo: o tempo vivido, tempo no qual o mundo se abre, o mistério de tudo simplesmente existir, a diversidade, como nossa compreensão precisa de recursos, linguagem, corpo, presença, decifração, criações. O eterno apresenta-se no momento único em que nos sabemos mortais, momento este de uma epifania, de uma revelação, de um apaziguamento.
Despertos de sonhos nos perguntamos, como pareceu tão real? Se sonho, então irreal? Em que sentido? Impossível sua não existência, afinal, o sonho foi lembrado. Sonhar acordado...
A condição humana intriga, vai desde o mais comezinho sentimento de raiva, de ódio, até o mais sublime sentimento de graça, leveza. Esse bípede que evoluiu neste planeta por obra do acaso, em certas circunstâncias, aos tropeços, vingou como ser pensante, que subiu a um morro e decretou dez mandamentos, que escreveu epopeias, que guerreou e ergueu a bandeira da vitória, é o mesmo ser pensante que criou fronteiras, barreiras, incompreensão, discriminação.
Ser que não para nunca de buscar, de dominar o acaso, prevenir, corrigir, produzir, destruir, abrigar-se, vencer. Ser que, em raros momentos se vê diante de si mesmo, e, no espelho de si próprio descobre-se mortal. Essa revelação extasia.

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