sábado, 4 de outubro de 2025

Sobre o orgulho

 Quando se reflete sobre o orgulho, é preciso fazer uma importante distinção. "Ele é orgulhoso" tem sentido diferente de "Eu tenho orgulho de você". No primeiro caso em geral se refere a alguém presunçoso, que se tem em alta conta, olha para o mundo e para as pessoas de cima a baixo, como se habitasse o mais glorioso posto, um olhar que humilha, que constrange. Algo moralmente inaceitável.

No segundo caso, ter orgulho do feito de alguém, feito este que engrandece, que enche o coração de um pai ou de uma mãe, de um professor, de um chefe, diz respeito a uma conquista, a uma tarefa bem executada, serve de estímulo, mostra sinceridade em seu juízo. O orgulho neste sentido é uma virtude ética, sendo uma virtude e como tal, uma disposição de caráter, que depende apenas da própria pessoa, esta se responsabiliza pelos seus atos, afirmou Aristóteles. Para distinguir os dois sentidos, "o orgulhoso" de "tenho orgulho de você", no primeiro caso há excesso, soberba, vaidade, pode ser considerado "como uma espécie de 'vaidade oca' e a deficiência como uma humildade indébita", segundo Aristóteles. Ao passo que avaliar positivamente certo ato, cabe dizer "eu me orgulho de você ter agido desta ou daquela maneira", mostra satisfação, acolhimento.

Note-se que no caso do orgulhoso, está em jogo o caráter. O orgulhoso precisa de público, precisa de bajuladores, precisa de serviçais. Em contraste, produzir o justo orgulho em alguém, os valores mudam, resulta de uma tarefa, mesmo modesta, que foi cumprida, satisfez quem executou e aquele que solicitou a tarefa, como um pai/mãe que tem orgulho de seu filho/filha, há atenção, cuidado, apreciação justa.

O amor à simplicidade de que fala Sêneca (4-65), nem o banquete, nem as roupas suntuosas, nem esperando a glória e sim o que se encontra com facilidade, o que está à mão, o que não produz inveja, e que está longe de cobiça, são valores que servem de contraponto ao desejo de glória do presunçoso. O mesmo Sêneca pede que não invejemos os que estão acima, em um cume, pois o cume nada mais é do que a beira de um abismo, importa fixar um limite para as ambições. 

Para Montaigne (1533-1592), sobre o falso orgulho ou presunção, ele diz: "ter-se em alta conta, a opinião demasiado alta que têm de si mesmos, estas são pessoas que não se conhecem, nem sabem como mover aquilo que elas próprias movem, nem decifram seus impulsos". São pessoas que se lançam como se fossem máquinas possantes, que vão moendo tudo à sua volta, sem olhar para os lados, e, principalmente sem olhar para dentro de si. 

Em sua verve crítica, Voltaire (1694-1778) expõe dois modos de se orgulhar: que um juiz sábio se orgulhe de seus feitos, que um governante justo se orgulhe de suas ações, é muito diferente de "nos confins de uma de nossas províncias meio bárbaras um homem que houver comprado um cargo insignificante e feito imprimir versos medíocres decida estar orgulhoso, eis o que dá matéria para rirmos longamente" (in: Dicionário Filosófico).

Como se pode notar, o orgulhoso se reveste de poder e se investe de poder, de muito poder, talvez sem merecimento, nem sempre concedido, e mesmo quando concedido, o poderoso esquece de onde proveio um tal poder, como seu uso magnânimo seria razoável e esperado, sua proporção, sua distribuição idem. Além disso, deveria levar em conta, que cargos são efêmeros, sempre haverá outro para ocupar seu lugar. O trono tem seu preço, o brilho, o olhar, o sorriso de autossatisfação podem desaparecer como se retira uma máscara. 



Orgulho ou soberba

Finalmente, a condição humana, somos mortais, o que é mais precioso legar? Algum fruto, por menor que seja, o exemplo, a capacidade de dotar-se com certo distanciamento, desprendimento, humildade.  

"Humilha profundamente o teu orgulho, porque o que espera o homem é a podridão" (Eclesiastes. 7.17.35).

Radical, não?


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