segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Um encontro entre Nietzsche e Hermann Hesse

 Para Nietzsche (1844-1900) não chegamos e nem podemos chegar a nenhuma verdade, apenas às verossimilhanças, aproximações, probabilidades. Perseguir uma crença, um sonho, lutar por isso, a que nos conduziria? À diminuição da vontade, quanto maior a crença menor a vontade. A vontade adoece, enfraquece quando seu lugar é ocupado por verdades eternas, pelo apego dogmático por partidos políticos, por curas milagrosas, pelo medicamento que cura todos os males. Esses recursos empobrecem a luta, o sentido trágico da existência, a capacidade para criar, elevar, seduzir.    

Nietzsche -1844-1900

 Com espírito livre alçar montanhas e dali contemplar o que somos e fazemos, desapegados de algo como fé inabalável, de lutar e matar em nome desse sagrado, Nietzsche propõe indagar sobre a origem dos valores, e de sua aceitação como absolutos; essa eterna reivindicação de poder, não liberta, e sim escraviza. O filósofo ressalta a sensibilidade, o gozo artístico, a renúncia à moral do rebanho, da resignação, em lugar disso enaltece a vida, a força vital. Há o inevitável, que necessariamente acontecerá, mas também há liberdade de conduzir a vontade para avaliar, para interpretar, elevar-se, superar-se, criar, desvelar perspectivas.

Hermann Hesse, escritor alemão, prêmio Nobel de Literatura, escreveu obras que influenciaram a geração dos anos 50-60, como "Sidarta", "Demian", "Lobo da Estepe". Desta última retirei algumas reflexões para imaginar o encontro entre o escritor na pele de seu personagem, Harry, com Nietzsche. Harry é o lobo da estepe, um ser dividido entre a condição de lobo e de humano, convivem lado a lado, ora prevalece o caráter animal, ora o humano. O personagem ama poesia, filosofia, música clássica e vinho, muito vinho, avesso à vida burguesa, que ele rejeita, critica, não suporta a ponto de sentir dor no estômago. Uma das alternativas é o humor, que é "burguês, apesar de o burguês em estado puro não ter a habilidade de compreendê-lo" (p. 72). Renunciar a certas exigências que se supõe como superiores, demonstra sabedoria de todo aquele que se vale do humor. 


Hermann Hesse - 1877-1962

Convidado por um antigo colega para jantar em sua casa, Harry hesita, mas acaba aceitando. Tudo soa falso, desde o serviçal recolhendo seu casaco, uma pintura de Goethe, a falta de assunto compatível; acaba por comer mais do que o costume, esse jantar não fora boa ideia. 

Quanto fazemos por pura obrigação, sem pensar no que realmente queremos ou podemos fazer, tarefas, trabalho mecânico, cansativo, dia a dia em esforços contínuos, somos como a alma de Harry dividida entre o lobo e o homem: impulso X necessidade.

Como se sentiria Nietzsche com relação àquele convite para um jantar "burguês"? Imagine que ambos fossem convidados, Hesse/Harry e Nietzsche se entreolhariam, silenciariam, se despediriam aliviados, sairiam a passear, entrariam em uma taverna, saudariam a existência errante com vinho, muito vinho, a refletir sobre a condição humana. Excesso de etiqueta, muita superficialidade, falta de humor e de senso crítico, nenhuma noção do que seja de fato poder, que poder não é mitificação, não é proclamar-se com razão acima de tudo e de todos, que aquele que se toma como superior ou supremo, avalia seguindo critérios inventados, humanos, portanto. Desconhecem isso e se presumem como divinos,  absolutos.

Ambos dançariam, olhariam do alto e para o alto, veriam o quanto há apego ao poder, que se erra, que as avaliações são relativas, e, quando consideradas como absolutas, falta-lhes perspectivas, falta-lhes graça, humor.

Sou um estranho neste mundo. Religião, pátria, família, estado, nada significam para mim. Sem nenhum fundamento, o desejo de seguir adiante nesses caminhos que conduzem a ares sombrios, se esfumaça como nas canções primaveris de Nietzsche. (Hesse: Der Steppenwolf, p 90).

***

Última observação, se você não gosta, se sente mal, fica incomodado com certo humorista, desligue a TV, o celular, não vá ao show.  O errado é emudecer o artista, o comunicador. Censores são sempre patéticos.





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