quarta-feira, 30 de março de 2011

A questão da verdade

Na postagem anterior dissemos que duas afirmações não podem ser verdadeiras a respeito da mesma questão. O princípio de contradição foi assim enunciado por Aristóteles: algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. O problema, então, não é a aceitação de uma doutrina ou crença na vida de uma comunidade ou de uma pessoa, nem com a prática e a pesquisa científica. O problema é considerar que apenas uma delas é verdadeira, o que implica que a outra é falsa. Não se pode optar consistentemente entre duas posições cuja avaliação deve seguir critérios independentes, que dizem respeito ou à ciência, ou à religião.


O que é verdade, então? Difícil questão. No dia a dia dizemos que alguém é sincero, veraz; que uma obra de arte é verdadeira, autêntica; que a notícia do jornal é verdadeira, confia-se na fonte; que objetos e situações são reais, e que isso também é verdade (confusão costumeira entre real e verdade). E mais, quando dizemos: "O real está valorizado com relação ao dólar", essa é uma proposição verdadeira, expressa pela linguagem, ela se refere ao câmbio; ainda assim, tem múltiplas implicações, pode ou não ser bem compreendida conforme o público a quem se dirige, depende do contexto em que é dita. Se o real for desvalorizado, a proposição será falsa.


Mas ainda não definimos o que é a verdade. Mostramos algumas de suas aplicações. Filósofos medievais a definiram como a adequação ou acordo entre a mente e a coisa. E quando alguém delira, ou tem falsa impressão de algo? Essa pessoa mente, ou é verdade para ela? Investigar um crime, usar recursos de prova e contraprova para incriminar ou inocentar alguém, é buscar a verdade, nesse caso, por meio de pistas e evidências. Descartes (filosofia racionalista século 17), definiu verdade como evidência, algo que salta aos olhos de todos. O problema é definir "evidência", a mente pensa e conclui por si mesma, como na matemática. Ora, isso não resolve o problema de saber se uma experiência é verdadeira, se uma teoria científica é verdadeira, se um relato de um viajante é verdadeiro. E mais: em cada um desses casos, "verdadeiro" tem um sentido e uma aplicação diferentes. Pense no modo como se constatam fatos e relatos.


E chegamos a outro ponto: a objetividade se contrapõe à subjetividade. Há critérios aceitos e praticados, que dão certo, isto é, quando aplicados corretamente, se obtém o resultado esperado. Ou não, pois mesmo o mais rigoroso dos controles não evita surpresas. Por exemplo: testar um medicamento antes de lançar o produto no mercado.


Cadê a verdade? Ela seria algo transcendente e ideal? Haveria uma forma universal, transcendental e imutável de verdade, para além da história e da vida com suas necessidades corriqueiras? Então ela seria ou inalcançável, ou fruto da imaginação consoladora, ou indemonstrável. Estaria fora do âmbito em que faz sentido a busca de verdade, de autenticidade, de veracidade, de sinceridade, de honestidade.


A arte, a religião, a metafísica, os mitos, os símbolos elevam a condição humana até o limite do pensável, do imaginável, do possível. Muito além do que se supõe ser verdade! Incrível a aventura humana. Houve e há aqueles que usam a verdade para impor uma doutrina, uma ideologia, um regime político. Houve e há povos e pessoas que não se dobram, cuja luta é por representação, liberdade, direitos. Essas lutas não são por verdade e nem em nome da verdade. Ainda bem...

domingo, 20 de março de 2011

Religião e ciência nas escolas

A polêmica em torno do ensino religioso conflitar com ensino de ciência parte de princípios equivocados. Trata-se de áreas distintas do saber, da cultura e das civilizações. Elas nascem com diferentes propósitos, seus objetivos são em tudo e por tudo diferentes, seu tipo de atividade, suas práticas, são também em tudo diferentes.
Culto, crença, dogmas e a revelação divina são os principais suportes das religiões; Deus se manifesta nos textos legados pela tradição, como a Bíblia e o Corão.
Em contraste, a ciência investiga um setor da realidade por meio de métodos que estão abertos para algum tipo de teste, de prova. Usa uma linguagem com signos universais, como exemplo, uma lei da Física ou da Química.
O problema começa quando se pretende que uma ou outra dizem a Verdade. Mas nenhuma delas diz a verdade, o que a religião ensina, não é algo verdadeiro, mas algo revelado, objeto de fé. Educação, tradição familiar, opção individual, isso é o que conta nas religiões. Deus Criador do universo, essa não é uma afirmação que deve ou pode ser comprovada, está fora do âmbito do verdadeiro/falso. Sendo objeto de fé, é algo inquestionável para todos os que creem nesse poder. As escolas com a opção pelo ensino de certa religião não podem excluir ensinar Biologia, Física ou História. É possível educar as crianças nos valores de uma doutrina de fé sem prejuízo para as demais disciplinas.
Escolas públicas, laicas, devem deixar a opção religiosa para as famílias. Ao oferecer a disciplina de ensino religioso, deve haver um objetivo didático, isto é, mostrar que a religião tem seu lugar e seu papel culturais. Escolas laicas não devem e nem podem doutrinar ninguém.
A finalidade da pesquisa científica é propor teorias e investigar seu alcance, avaliar e implementar os benefícios tecnológicos, avançar a investigação, de preferência sem a intervenção do Estado.
Se o cientista detivesse a verdade, a investigação seria interrompida. Os biólogos usam o paradigma de Darwin e o da teoria genética, e, até o momento, há comprovações de que as espécies evoluíram e de que o DNA comanda a vida. Mas isso não significa que outras teorias não possam surgir. A abertura para novas hipóteses é fundamental na ciência.
Por tudo isso, é falso o dilema Deus ou Darwin. Na vida privada, pessoas optam por uma crença religiosa, e podem também escolher cultivar a filosofia, praticar esportes, dedicar-se a uma carreira, ter predileção por música ou por poesia. Deve haver liberdade para fazer da religião algo de bom, que preencha sua vida. No espaço público, as religiões devem seguir o princípio da tolerância e do respeito mútuo, religiões, igrejas, ensino religioso, devem e podem ser aceitos, livres da falsa ideia de que falar de Deus exija critérios superiores e privilegiados. Isso produz divisão, isso leva a crer que uns são fiéis e todos os demais são infiéis!
Do lado da ciência, há quem pretenda, como R. Dawkins (autor de Deus, um Delírio) que Darwin diz a verdade. Com isso ele endeusa Darwin!
Esse erro faz com que as crianças fiquem perplexas e também os professores de religião e de ciências biológicas.
Não há problema algum em crer que Deus seja a origem do universo e aprender que certa ciência, enquanto uma prática social, com lugar cultural, faz investigações que não refutaram, por enquanto, o darwinismo.
Não se deve considerar VERDADE que o homem foi criado por Deus ou que ele descende de macacos. Não se deve confundir o que é doutrina com o que é investigação científica.
Todos devemos cultivar a abertura de nossas mentes, a vida humana digna, o respeito e a tolerância.
Há quem ache que o conflito acima possa ser resolvido, apelando para a tese do Big Bang. É uma saída bizarra e risível essa: Deus é o Big Bang!
Ambição por resposta definitiva e por explicação para tudo!

segunda-feira, 14 de março de 2011

Desastres naturais e construções humanas

Habitantes da superfície de um planeta que abriga e reproduz a vida, nossa civilização, desde há poucas dezenas de anos construiu uma tecnologia sofisticada. Ainda assim, ocupamos parte instável de um planeta com um núcleo incandescente, contra o qual essa tecnologia nada pode. E sucumbimos com terremotos e tsunamis.



O antigo medo dos povos primitivos se manifesta ainda hoje sob a forma de datas que prevêem acontecimentos catastróficos, cataclismo final descrito em termos bíblicos. É mais uma dessas formas mágicas de obter explicação para tudo e pôr um ponto final em tudo. Há as que asseguram a redenção e a salvação (para os bons) e as que profetizam o fim dos tempos a cada novo desastre natural.

Ora, é imprevisível quando e como, mas altamente provável que placas tectônicas se movam! Isso já aconteceu e acontecerá!

Há três modos de o ser das coisas se produzir, ocorrer, fazer efeito. Se há alguma lógica, e precisamos dela em nossas ações, é a de que acontecimentos se dão, eles ocorrem. Prevê-los, apenas com grau de probabilidade, jamais com certeza.

Para Peirce (1839-1914), filósofo norte-americano que fundou a ciência geral dos signos (Semiótica), o descrito acima pertence ao nível da "primeiridade", o que está aí no mundo, fenômenos simples e sem que interfira neles a vontade humana, que são completos em si mesmos e absolutamente livres. Por exemplo, tsunamis, explosões vulcânicas, um galho de árvore que se desprende, tossir nesse momento.

Em outro nível, o da "secundidade", há relações entre dois aspectos, a realidade opõe resistência, e nos obriga a reagir. Exemplos: A causa B, abro uma garrafa, dou a partida no carro, procuro algo que perdi; entra a vontade, é preciso deliberar e escolher.

No nível da "terceiridade" (nada a ver com velhice), ocorre uma modificação do que está aí pela ação humana, por meio da comunicação, por meio de signos. Alguém comunica que vai chover, o outro reage a signos, dá uma olhada no céu com nuvens que indicam precipitação (a que Peirce chama de "índice"), emite uma opinião, concorda, discorda, enfim, é preciso um interpretante para o signo "chuva", que é também outro signo (por exemplo, "que pena", "preciso comprar um guarda-chuva", etc.). Pode ser que a resposta não seja verbal, como a reação de ficar em casa, abrigar-se.

Essa lógica permite ler o significado das coisas, responder, interpretar símbolos, concluir, associar, deduzir e investigar.

Sofrer uma ação brutal da natureza se deve a fenômenos. Não é um castigo bíblico, não é "sinal dos tempos". É uma catástrofe, há que enfrentar, há que reerguer-se.

Nós, seres humanos, habitamos há muito tempo um planeta que recebe a marca de nosso tipo de vida: construímos casas, usinas, pontes, objetos, instrumentos para mil e uma tarefas, povoamos a superfície terrestre com estradas, carros e mais carros. Produzimos lixo, muito lixo.

Quando tudo isso é destruído, constatamos que as necessidades básicas são abrigo e alimento. Mas a civilização humana foi além dessas necessidades, muitas vezes à custa de guerra, violência, morticínios. Até hoje ditadores violentos e patéticos submetem seus povos e são tolerados porque nossa civilização depende de um produto, o petróleo.

A despeito disso, criamos arte, expressamos emoções, valorizamos a justiça e a solidariedade.

Nietzsche em o Eterno Retorno diz: Se o mundo pudesse enrijecer, secar, morrer, tornar-se nada, ou se pudesse alcançar um estado de equilíbrio, ou se tivesse algum alvo que encerrasse em si a duração, a inalterabilidade, [...] se o vir a ser pudesse desembocar no ser ou no nada, esse estado teria de estar alcançado. Mas não está alcançado.

Resumindo, a reflexão filosófica chega a conclusões do tipo: em tudo há um jogo de forças.

Se você refletir, pode chegar a sua própria conclusão!

segunda-feira, 7 de março de 2011

Quando e porque Sartre brigou com Foucault


Foucault (1926-1984) e Sartre (1905-1980), ambos filósofos franceses, que muitas vezes lutaram pelas mesmas causas na política interna da Fança, estavam em lados opostos em suas concepções filosóficas. Em temas como o marxismo, o sujeito humano, sua existência, as ciências humanas, a teoria sobre a história - a disputa foi acirrada.

Sartre e Foucault nos anos 70, vendo-se atrás deles Deleuze

Sartre discordou da análise de Foucault sobre a história, este "esqueceu a história", pois não diz como os acontecimentos se transformam em função do movimento dialético (veja postagem sobre a dialética marxista). E pior, Foucault "matou o homem", que não passa de um sujeito assujeitado e constituído por saberes de certa época. Quer dizer, Foucault despreza a dignidade e a liberdade humanas. Os estruturalistas visam constituir, sempre segundo Sartre, uma nova ideologia, burguesa, se recusam a prestar atenção às relações de produção, à praxis e consideram que a estrutura da linguagem é mais importante do que a história material e social. Ora, argumenta Sartre, a linguagem é inerte, uma rede de oposições e de regras, de onde o homem está ausente.


Em suma, para o existencialismo sartreano, que aos poucos se tornou um marxismo sartreano, sem o homem concreto, abolindo sua existência e a história dos modos de produção que o transformam, Foucault comete, proclama Sartre "um escândalo lógico". O homem é mais do que as estruturas que o condicionam.


Foucault sustenta algo muito diferente. Para ficarmos só com As Palavras e as Coisas (1966), para ele a história não é feita de passagens, mas de cortes, diferentes práticas de saber para falar, para situar e lidar com os acontecimentos. Acontecimentos são fabricados, inclusive esse humanismo que vê o homem como pura existência, genérica. A história produz lutas, mas muitas delas nada têm a ver com classes sociais. O próprio marxismo surgiu de condições históricas, Marx é um peixe nas águas do século 19, há que compreendê-lo e lê-lo nesse "ambiente". Ele escreveu sobre uma dessas situações históricas: conflitos no nascimento do capitalismo moderno. Conhecimentos só podem nascer de circuntâncias que os homens produziram, o que, diga-se de passagem, Marx sabia. O que ele não sabia, tampouco Sartre, é que não há nada por detrás, nem um projeto de avançar para o socialismo, nem a existência como essência do homem.


Foucault não pretende que uma ideologia deva servir à revolução de que classe for. Não há revolução de classe que acabe com as diferenças, com ciências que marcam e classificam, como a psiquiatria. As transformações históricas não têm uma causa geral ou única. Foucault não negou a história, ele mostrou que a história pode ser vista de outra forma. Ele não foi um antihumanista, ele foi o cartógrafo dos saberes que permitiram o surgimento da figura do homem como alguém vivo, que trabalha e fala. Essa figura é recente. Se pensarmos no modo como Platão, por exemplo, via o homem - alma imortal presa a um corpo, e como nós hoje nos pensamos, e como certos saberes nos produziram como seres finitos, sujeitados a normas , a técnicas, a ciências, nada disso nos "humaniza", tudo isso nos tiraniza.

Na entrevista em que Foucault, com 38 anos, rebate a acusação de Sartre de que ele despreza a subjetividade e o humanismo (um dos escritos mais difundidos de Sartre chama-se , aliás, O existencialismo é um humanismo), Foucault responde: o esforço feito pela nossa geração não é o de reivindicar o homem contra o saber e contra a técnica, mas o de mostrar que nosso pensamento, nossa vida, nosso modo de ser, até o mais cotidiano, fazem parte da mesma organização sistemática, dependem das mesmas categorias que regem o mundo científico e técnico.

O que ele quis dizer com isso? O homem não tem uma essência pura, ele não está salvo se o livrarmos dos condicionamentos. Em nossa época predominam os saberes técnicos, das várias ciências, a tecnologia. DNA, exames, testes, diagnósticos, controlar, produzir, empreender, obter sucesso, comunicar -, é isso que nossa "humanidade" carrega.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Sentido e significado

Palavras significam algo para alguém em certo contexto de fala. Se alguém diz "Bom dia" há vários sentidos em que essas palavras que significam cumprimento ou saudação podem ser empregadas. É possível, pois, distinguir entre o significado das palavras tal como em geral são dicionarizadas, e o sentido com que são empregadas.
Essa expressão, "bom dia", pode ser dita para animar alguém, para acordar alguém, no teatro, podem ser o título de um artigo de jornal, podem ser repetidas por um gravador. A cada vez em que são enunciadas expressões de uma língua, seu sentido, quer dizer, a leitura que delas é feita, varia conforme o contexto de fala.
É por isso que a linguagem cotidiana é tão rica e tão maleável. Vem daí uma disputa, creio eu não resolvida, entre os linguistas que consideram haver uma diferença entre o sentido literal e o sentido contextual, e outros para os quais essa diferença é impossível de ser estabelecida.
Realmente, como saber que "o gato está sobre o capacho" tem um sentido literal de animal felino doméstico estendido sobre um tapete que geralmente fica na porta de entrada?!
Ou que alguém quer dizer que o gato que estava desaparecido, voltou e está deitado no capacho velho da garagem...
"Gato" sempre se refere a esse animal? E o moço bonito que é chamado de "gato"? Nomes são empregados como distinguidores. Mas dar nome não é dizer que a coisa é. Ser e significar diferem. Por mais vezes que alguém diga "quero ganhar na loteria", ganhar não depende disso!
Como se vê, os recursos de uma língua são enormes, mas quais são seus limites? É necessário o aprendizado de uma língua, sons (fonemas), palavras, regras formadoras de frases:habilidades aprendidas juntamente com funções cerebrais ativas e ativadas.
A linguagem não tem apenas a função de dar nomes às coisas, nem de servir para referir a algo ou a uma situação da realidade, nem para transmitir o pensamento.
Ela serve para tudo isso, mas o incrível é que o pensamento de certa forma precisa da linguagem. Se e como o cérebro funciona sem ela, não se pode saber, pois precisamos da própria linguagem para testar. E, com isso, o teste já fica prejudicado...
A linguagem é necessária para falar da linguagem, o significado de algo é necessário para explicitar ou dar um sinônimo para aquela expressão. Quando a criança pergunta o significado de uma palavra, ela usa a linguagem, quando o professor ou os pais respondem, também o fazem por meio de palavras.
Não se pode sair da linguagem sem a linguagem, seja a usada por todos os falantes de uma língua, seja pela significação que atribuímos às coisas e fatos os mais diversos com os quais precisamos lidar e interpretar a todo momento, sem perceber que usamos a linguagem.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Paradigma, usos e abusos do conceito

Thomas Kuhn (1922-1996) publicou em 1962 um livro sobre história da ciência A Estrutura da Revoluções Científicas, cujo sucesso e repercussão foram enormes. Ele soluciona um problema crucial para se fazer história da ciência. Desde o nascimento da Física, com Galileu (séculos 16-17) até hoje teria havido um acréscimo de conhecimento, um acúmulo de teorias que aprofundariam o que se sabe sobre a natureza, o movimento, os átomos, a eletricidade, etc.


O problema é que essas teorias mudam, as explicações de Galileu e Newton foram suplantadas pela de Einstein, em muitos aspectos. Então, a teoria que está por vir será verdadeira e a de Einstein falsa? Como é possível trabalhar a partir de uma teoria falsa?


A história da ciência é história dos erros?! Se o historiador considerar que há um acúmulo, um acréscimo de teorias, cada vez mais aproximadas da realidade, tudo o que foi descartado pelos cientistas terá ainda que ser chamado de ciência?


A solução de Kuhn foi mostrar que a ciência não é acúmulo e sim mudança. Mas o que muda?


Os paradigmas é que mudam, isto é, as noções, conceitos, modos de fazer experiência, como e o que coletar para a pesquisa, as técnicas e métodos que se emprega, enfim, tudo o que uma comunidade de cientistas, em certa época, emprega, pode sofrer súbitas mudanças.


Kuhn, ao invés de procurar a causa dessas mudanças, limita-se a analisar o que ele chamou de ciência normal, as diferentes maneiras de resolver problemas, tal como se o cientista estivesse a resolver quebra-cabeças.


Resolvidos os problemas e obstáculos, um novo modo de ver o mundo surge, como resultado do esforço empregado na pesquisa. A nova teoria revoluciona, o novo paradigma consegue um ajuste com a realidade, diferente do paradigma anterior.


Exemplo: para Aristóteles o cosmo é fechado, finito, os astros são esféricos, perfeitos, não há noção de evolução. Para Galileu o cosmo é aberto, os astros se movem e não são esféricos. Ele usa a luneta, cálculos, faz experimentos. Isso é um novo paradigma, que revolucionou a ciência.


As mudanças de paradigma não se dão ao gosto do cientista! Ou devido a suas boas intenções!


Assim, quando se defende (como acontece em várias áreas das ciências humanas) que se deve mudar de paradigma, não se compreendeu o que quis dizer Kuhn.


Em ciências humanas (Sociologia, História) não há acordo quanto a método e objetivo (como e o que pesquisar), portanto, não há paradigma.


Conclusão: não passa de um modismo dizer que é preciso mudar de paradigma, ou quebrar paradigmas.

As tiras acima, são de Benett (Gazeta do Povo). Para melhor visualização busque no Google.

Obs.: se o emprego do termo for o usual, isto é, "paradigma' sinônimo de "modelo", pode-se entender a mudança de paradigma como renovação, mas não como uma revolução, no sentido de Kuhn.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A dialética marxista

Dia desses li um artigo de um professor universitário (Gazeta do Povo) em que ele atribui à divulgação do marxismo, o fato de o samba e outras manisfestações populares, passarem a ser valorizados pela classe alta.
É ainda bastante grande a influência que as ideias marxistas têm no ambiente intelectual e acadêmico de nossas universidades. A que se deve essa força? A dialética marxista, enquanto filosofia, ideologia e método de explicação/avaliação da realidade se justifica?
Resposta à primeira questão: Marx analisou o capitalismo nascente, e mostrou a violência e a injustiça que sofria a classe operária. Conclamou essa classe à luta política por um regime, o socialismo, no qual fábricas, maquinário, produção, distribuição, todo esse processo, estivesse nas mãos do proletariado. A revolução do proletariado seria o fim do capitalismo e o início de uma nova era para a história.
O método de análise do marxismo (de modo geral, pois há diversas correntes dentro do marxismo) é a dialética. A história se move por contradição, isto é, por forças antagônicas que se defrontam no momento em que a situação atinge um ponto máximo, por exemplo, as lutas de classe, e a mudança se dá devido a essa força que nega, que contradiz o momento anterior. O resultado é um novo momento histórico, em que essas contradições e lutas são superadas, são ultrapassadas. A cada ultrapassagem, há uma renovação.
A hipótese é a de que haverá o momento da total renovação, da ausência total de contradição entre o capital e o trabalho, cessarão as lutas de classe quando a classe oprimida detiver trabalho e capital.
Como se vê, a força dessa análise reside na promessa da justiça social pela revolução do proletariado, o que mobilizou boa parte de países europeus desde o início do século 20 e se espalhou a partir da antiga União Soviética para Cuba, China, alguns países africanos e latino-americanos.
Resposta à segunda questão: esse é um método de análise da história que privilegia o confronto de classes. Ora, a história dos povos e culturas se constitui com inúmeros outros fatores. Ainda não se viu o socialismo lidar com o fato de ter que produzir e distribuir com sucesso (o que produzir, com que tipo de mão de obra, a quem vender, como transportar, exportar o que, para quem, importar o que, de quem, etc., etc.). E mais, quem gerencia? Quem de fato porá a mão na massa?
O que se viu foi o poder acabar nas garras do Estado, com burocratas e mandatários por vezes cruéis e banhos de sangue.
A história se constitui por séries de acontecimentos, guerras, lutas pelo poder, opressão, crueldade, mas também por ideais, como pacifismo, libertação, justiça social.
Não é preciso ser marxista para enxergar a opressão. A ideologia da dialética marxista se resume no "acabar com a desigualdade". Como seria uma sociedade com todos iguais? Isso é desejável?
Sempre que se tentou essa pretensa igualdade foram os chefes (portanto, uma "classe") que precisou impor a todos um mesmo tipo de pensamento, de ação e de projeto de vida; e isso com censura e muita propaganda (saíram os ícones da religião ortodoxa na Rússia, e entraram as representações das figuras de Lênin e de Stalin).
Que tal abrir a cabeça de nossos sáuricos intelectuais de esquerda para outros modos de ver e de pensar? Modos de ver e de pensar que exigem, sim, luta permanente por melhoria de condições de vida para um número cada vez maior de pessoas, mas sem o ranço da estreita noção de classe opressora X classe oprimida?
Quanto ao professor intelectualizado citado no início, o que dizer? O samba conquistou espaço pela musicalidade, pela poesia, pela qualidade, e não por que as "classes superiores" , imbuídas de marxismo, passaram a olhar para o povão e decidiram que sambar é legal...