domingo, 14 de abril de 2013

Hegel e a dialética

Hegel é considerado um dos filósofos mais "difíceis" de toda a história da filosofia, como disse em postagem anterior. Ele não faz concessões, não há nenhuma tentativa de ser claro (como Descartes preconizava) e nem de dialogar ou de ensinar (como Sócrates e Platão).
Pode-se dizer, inclusive, que Hegel já não é mais o filósofo preferido, como há algumas décadas, para ser o intérprete de toda a história da filosofia. Lia-se Hegel, em especial o jovem Hegel, a fim de melhor compreender Marx. Resultado: não se compreendia nem um nem outro.
Vejamos algumas facetas do pensamento de Hegel, o que vale a pena resgatar para a história da filosofia.

Importância da história: todas as contribuições culturais, como arte, filosofia e religião, são o estofo de que a razão se vale para caminhar e, ao mesmo tempo, superar ideias e conceitos. Desde as experiências com o material sensível, até o mundo inteligível de conceitos cada vez mais precisos, o pensamento se realiza. Para se realizar, ele precisa do discurso, da linguagem, que possibilitam determinações, isto é, dizer o que são as coisas e como elas são. As significações.

Uma nova ontologia: como e o que as coisas são? Impossível determiná-las sem, ao mesmo tempo, determinar o que elas não são. Ser e não ser se determinam reciprocamente. O senso comum não percebe que todo ser é o que é, por não ser outro. É assim que todos os seres se transformam, assim se modificam as ideias e os projetos. Essas passagens ou mudanças constituem o vir a ser, o devir. Esse movimento de conservação do ser, de negação e de ultrapassagem é o que Hegel chama de dialética.
A natureza, os seres e a história vivem desse movimento. Esse movimento é direcional, progressivo, tem em vista um fim (teleológico). As realizações das obras humanas aprimoram certas ideias, certos ideais. O mais precioso é o ideal da liberdade, da conciliação da ideia de sociedade com a plena realização do racional.Um otimismo, portanto. Para Hegel, há luz no fim do túnel e essa luz é plena, é o absoluto, é a conciliação final de todas as dificuldades, de todas as contradições.

O idealismo objetivo: ideias e conceitos não são abstração vazia. Eles se concretizam em autores, livros, no variado discurso humano. Mas não de forma solta, há uma lógica interna, uma lógica com três momentos, todos eles necessários (afirmação, negação e síntese). Entre pensamento e ser não há um abismo. Ser externo ao pensamento e ser pensado se conciliam. Quando alguém emite um juízo, afirma que algo é assim, mas pode também corrigir, confrontar ideia e realidade. Por isso o idealismo é objetivo. É com relação à realidade objetiva (desaparece a dificuldade que Kant tinha com o ser em si, para ele inatingível) que ideias, conceitos e o pensamento se formam. Não há um vazio entre a representação e o representado.
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Perguntas e dúvidas surgem. Ao mesmo tempo em que Hegel enfatizou a história, ele a fechou em um movimento ascendente, com etapas obrigatórias e com um fim/finalidade. O que garante que haverá essa progressão em termos de liberdade e de realização?
Apenas a força ou fraqueza humana, as quais, aliás, nada garantem.
A lógica do devir precisa do jogo entre ser e nada. E se desse jogo nada surgir? Ou se ele surpreender?
Em nome da liberdade e do ideal a história tem sido, pelo contrário, de luta, transgressão, anomias.
Se a lógica dialética fosse inevitável, bastaria embarcar nela e nos deixar levar. Ora, isso anularia a propalada liberdade. Logo, a concepção de dialética hegeliana.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O que é relativismo?

Em filosofia há diferentes concepções sobre a possibilidade da verdade. O relativismo é uma delas. Protágoras (480-410 a. C.) considerava que o conhecimento do que nos cerca vem dos sentidos. As percepções variam de pessoa a pessoa, e também conforme o tempo e o lugar. Se duas pessoas discordam a respeito do que estão observando, é provável que ambas estejam corretas (ou não...).
Historiadores, sociólogos, e, claro, filósofos, defendem a tese de que conforme o contexto histórico, cultural ou de acordo com o nível de educação, de informação e da situação em que se encontram grupos e pessoas, o juízo que fazem a respeito de fatos ou de acontecimentos, de valores ou de avaliações, de opiniões ou de posições, tudo isso varia, quer dizer, é relativo. Não há verdade absoluta, acima da situação social, acima do contexto cultural e histórico.

Contra essa postura relativista, se erguem diversas vozes. Platão dizia ser absurdo duas opiniões a respeito do mesmo fato, seriam juízos contraditórios. 
Recentemente o papa emérito, Bento XVI (Joseph Ratzinger), proclamou a inconsistência do relativismo, inclusive em debates com filósofos, um deles, J. Habermas. Foi em Munique, em 2004, um ano antes de J. Ratzinger se tornar papa. A pergunta era sobre adoção de uma religião em um mundo plural: a verdade autoproclamada de certa religião de um lado, e uma cultura globalizada, na qual convivem várias crenças e religiões em sociedades democráticas, de outro lado.



A verdade, dizem os que se opõem ao relativismo, pode e deve ser comprovada e seguida por todos da mesma forma, pois há meios independentes de sustentar juízos, posições e valores. Por exemplo, por meio de provas, ou por meio de acordo a respeito da realidade, ou por meio de crenças em artigos de fé. Se a verdade se dilui com variações, justamente, fica impossível estabelecer a verdade. Verdade não pode variar, ou vale incondicionalmente, ou não é verdade. Se houver contradição (afirmar A e não A ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto),  se houver inconsistência (acho que é A, mas não tenho certeza, pode ser B...), fica impossível estabelecer o que vale e não vale, o que é correto ou incorreto. O relativismo é por isso, indefensável.

Em oposição, os relativistas sustentam que é possível ajuizar "isso é verdade", desde que sejam dadas as condições apropriadas. Para Habermas somos sujeitos falíveis, podemos mudar e aprender sempre, em todas as circunstâncias. Ao afirmar algo a respeito de um acontecimento, precisamos de informação, de um saber acerca do mundo, acerca de situações, é impossível transcender a realidade e a linguagem e alçar à totalidade. Um juízo a respeito de uma situação requer a compreensão de outros, a possibilidade de contestação, o conhecimento das condições apropriadas para garantir a validade, mas nunca a verdade. Há três fatores interligados: apresentar ou expor o acontecimento; comunicar por meio de atos de fala que visam acordo, entendimento ou desacordo e dissenso; a um público que repercute o que foi dito.
Trata-se de, digamos, um "relativismo responsável". Isso porque o "tudo vale" em qualquer circunstância, levaria ao descrédito ou ao conformismo. Se tudo vale, por que eu me importaria?!

Por isso, para Habermas, opor-se ao relativismo e sustentar que a verdade independe do sujeito e de seus posicionamentos implica que outras posturas, crenças, culturas e valores, estão do lado do erro, da inverdade, do desconhecimento - isso é perigoso, gera intolerância.

Ao contrário, a capacidade de esclarecer e de dar razões, de olhar e tentar compreender o outro, o diálogo entre povos e culturas, aponta em direção a esse tipo de relativismo responsável. Pergunte sempre: o que isso quer dizer nessas condições e circunstâncias? E não: só eu, só minhas crenças, só minha visão é a correta.
A verdade é possível e desejável apenas quando ninguém se proclama seu dono. E nisso não há contradição alguma.