segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Pensamento metafísico: totalidade, ente e ser

Nas preleções de Heidegger sobre Nietzsche, na Universidade de Freiburg, entre 1936-1940 (Vol. I Nietzsche, editora Forense Universitária, trad. de Marco Antonio Casanova, 2010, 510 páginas) aprende-se muito não só sobre Nietzsche, mas também sobre metafísica, história da filosofia e as próprias teses heideggerianas.
O ponto central é a pergunta da metafísica, feita há muito pelo pensamento grego, "o que é o ente?" Para Heráclito, o ser do ente, isto é, para os entes (ente é tudo o que há, exceto o nada) serem, o que os faz existirem de certo modo, seu ser, é o devir. A causa primeira é o devir. Para Parmênides o ser dos entes vem de sua permanência.
Heidegger mostra que Nietzsche pergunta também sobre a totalidade, mas extrai essa questão da própria história da filosofia; a ele interessam os percursos do pensamento, inclusive o devir e a permanência do ser, que ele absorve. Mas rejeita o platonismo que permeou todo o pensamento ocidental. Para o platonismo, os entes se constituem de ideias, que são ideais como o nome indica, de outro mundo, não do nosso mundo sensível. Assim ficou postulada a existência de um além perfeito e difícil de alcançar e concomitantemente a noção de que o mundo em que nos movemos é falho e imperfeito.
Nietzsche considera que a inversão do platonismo valoriza a vida em um sentido amplo (entes animados e inanimados, orgânicos e inorgânicos), e vida para ser valorizada requer novas perspectivas, novos valores. Onde encontrá-los e como modificá-los?
Na vontade de poder, pela força (não física e nem moral) do devir, do retornar sempre, do encontro entre passado que já não é, e futuro que vem a ser. O ente na totalidade é eterno retorno do mesmo. O encontro de passado e futuro se dá no instante, nele o tempo é como que "agarrado". Daí a força, que nega a conciliação final e resiste na luta permanente, nos eternos elos da corrente do tempo. Todo ente que é, é vontade de poder. Existe por ter lutado, resistido; impulso, paixão, sentimento caracterizam a vida, que por isso é vontade de poder, mais que razão e lógica.
Aquele que pode produzir é o artista, o sentido disso para Nietzsche vai além da produção de obras de arte propriamente ditas. Isso porque o ente se faz, se produz, cria. A arte combate o niilismo entendido como anulação dos valores que promovem vida e renovação. Na história ocidental tem prevalecido o niilismo, a negação da vida, da embriaguez de viver, da plenitude; a doutrina do eterno retorno traz ao ente abertura, audácia, risco e não aceitação passiva de considerar que, como tudo volta, não preciso fazer nada.
Esse lado estético caminha pari passu com a metafísica, esta entendida como a pergunta que o filósofo faz acerca do que determina o ser dos entes. E a metafísica de Nietzsche, sustenta Heidegger, é o eterno retorno do mesmo.
Esse "pensamento pesado" ocorreu a Nietzsche na solidão, na compreensão de que abismo pressupõe altura, que na luz do meio-dia, sem sombras, tudo retorna, as coisas são finitas e voltam eternamente. A força finita reside no instante, se fosse infinita, não teria do que extrair força. Só se extrai força, vida, de coisas finitas nesse devir constante.
Solidão inspiradora  de Nietzsche em Sils Maria - Suíça

Portanto, a pergunta metafísica fundamental pela totalidade dos entes, como eles se perpetuam, seu modo de ser, é o eterno retorno, a totalidade do mundo é caos (nada a ver com teorias científicas). E para haver e terem sentido o tempo, a vida, o instante, é preciso o homem. Este deve ser pensado a partir do mundo e o mundo a partir do homem. É preciso partir de um canto, de um lugar, e não há como perguntar sem a linguagem, que é humana. Desse modo, o que pertence ao homem o leva para além do homem.
É como se Nietzsche tivesse proposto um pensar difícil em lugar de pensar na resposta pronta de um mundo platônico, ou em uma causa inicial ou final para todos os entes. 
Sem causa primeira nem final, tudo vem a ser eternamente. A enigmática doutrina do eterno retorno foi o difícil pensamento que ocorreu a Nietzsche, aceitar e amar a vida, aceitar isso que ocorre basta. 

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